Carta Aberta Revisão Democrática do Plano Diretor de São Paulo: Pactuando as Regras da Participação Popular e Cidadã
O Plano Diretor
Estratégico (PDE) de São Paulo
(Lei 16.050/2014) tinha
a sua revisão parcial
prevista por lei para 2021. Contudo,
a revisão será adiada conforme
deliberado pelo Conselho
Municipal de Política
Urbana (CMPU). A revisão parcial
do PDE deverá ser amparada
por diagnósticos dos impactos gerados pelo plano diretor vigente, estudos técnicos e análises sociais e
econômicas bastante complexas e construída com ampla participação da sociedade, tanto no processo
de elaboração, no Executivo, quanto
durante sua tramitação pelo Legislativo.
O processo de revisão parcial do Plano Diretor
Estratégico conduzido em 2021 pela Secretaria
Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) foi alvo de frequentes questionamentos da sociedade civil,
da Defensoria Pública
e do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Realizado durante os momentos mais críticos da crise sanitária em decorrência da pandemia do novo coronavírus, representou
flagrante retrocesso à participação
social e o mais grave: foram adotados
cronograma e metodologia de participação popular sem consulta ao Conselho Municipal
de Política Urbana
(CMPU).
Reconhecidas as ilegalidades do processo, a revisão parcial
do Plano Diretor teve seu adiamento
proposto e aprovado pelo CMPU. Contudo, visando garantir a lisura da revisão parcial do PDE, é fundamental
que o processo realizado em 2021 seja revisto e que a metodologia de participação popular
e o cronograma sejam apresentados previamente para que a
sociedade civil possa contribuir, pactuado e
aprovado no Conselho Municipal de Política Urbana,
conforme suas atribuições.
A Frente São Paulo pela Vida, que representa cerca de 500 organizações da sociedade
civil paulistana, de atuação multitemática e presente em todas as regiões da cidade, subscreve esta carta com o
entendimento de que o primeiro passo do diálogo
entre governo, parlamento, judiciário e sociedade, com sua pluralidade de atores políticos e temas, deve ser a
pactuação das regras do processo participativo
para que a revisão parcial do PDE seja de fato participativa e
democrática. Essa preocupação também
deve orientar a elaboração dos demais projetos e planos da Política
Urbana que impactam
diretamente o futuro
da cidade.
Tal revisão deve expressar as vozes e demandas de toda a população sem privilegiar reivindicações de qualquer grupo,
incluindo os setores econômicos interessados no tema. Eventos recentes
no Brasil e no mundo apontam para uma tentativa de ruptura com a democracia e enfraquecimento da participação social.
Neste contexto, apresentamos um conjunto de medidas
necessárias para garantir a participação democrática ao Prefeito e também a toda população
da cidade e demais autoridades relacionadas ao
tema.
Certamente aprimoramentos e adaptações à nova realidade da
cidade devem ser feitas, afinal
nenhuma lei é perfeita e muito menos imune ao tempo. No entanto, na revisão parcial não se devem desvirtuar os
princípios e objetivos do PDE pactuados em
2013 e 2014, que deverão vigorar até 2029, ainda mais em um momento de aprofundamento das vulnerabilidades sociais,
econômicas e ambientais que impactam de forma cruel
a maior parte da população
paulistana como decorrência da pandemia do novo coronavírus. A revisão parcial
do PDE deverá promover a ampliação da participação
popular e cidadã no que se refere
ao processo anterior.
Assim, amparados não só no PDE vigente, mas também na
Constituição Federal, no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica
do Município (LOM),
e atendendo ao previsto na Resolução 25/2005
do Conselho Nacional das Cidades, especialmente sobre a prática democrática, a soberania e a participação popular, a transparência e o controle
social e o respeito à autonomia e à independência de atuação das
associações e movimentos populares e às atribuições do CMPU, recomendamos que o processo
de revisão parcial
do PDE se estabeleça considerando, ao menos, as etapas descritas
a seguir:
ETAPA 01: NOVAS REGRAS
DA PARTICIPAÇÃO DEVEM SER PACTUADAS
O primeiro passo deve ser estabelecer as etapas, o escopo
de cada uma delas, as instâncias de
participação mais adequadas, bem como
os instrumentos e seus formatos.
Os protocolos sanitários em relação à pandemia devem ser
respeitados, ouvidos os especialistas no tema, promovendo a ampla participação presencial com a formalização
e padronização dos registros do processo. As etapas de participação para a concepção da revisão do Plano
Diretor durante o ano de 2021 devem ser refeitas
e aprimoradas, uma vez que ocorreram online, sem anuência do CMPU, em momento de índices mais altos de isolamento social em virtude
da pandemia, considerando que as desigualdades de
acesso à Internet significam retrocesso à participação
social, sem a realização de atividades participativas com igualdade de condições. Mais do que isso, a existência da pandemia e a necessidade de sobrevivência
retiraram de cidadãs e cidadãos as condições básicas para participar da revisão do PDE. Abordar
tal questão nesse momento é de fundamental importância e é o desejo
da sociedade civil organizada.
Entendemos que, ao longo do processo, as seguintes premissas
devem ser consideradas:
1. A referência básica para a
pactuação das regras do processo é o sistema de planejamento e gestão
democrática e demais instrumentos previstos
no Plano Diretor
Estratégico (Lei 16.050/14).
2. Todo o processo de revisão parcial
do PDE, incluindo as contribuições das atividades presenciais, deverá ser registrado em um único processo do Sistema Eletrônico de Informação (SEI),
com acesso público.
3. O
CMPU é a instância competente para elaborar e aprovar resoluções disciplinando todo o ciclo participativo, estabelecendo escopo, instâncias participativas, etapas, instrumentos, formatos, meios de
verificação e, por fim, o cronograma, e acompanhando todo o processo
por meio de reuniões periódicas. Em momentos específicos também
devem ser consultados os Conselhos de Políticas Setoriais.
4. As
informações, conteúdos e o registro
de cada atividade deverão ficar disponíveis
publicamente e de forma centralizada
no site Gestão Urbana, sempre em formato aberto.
5. Os documentos que subsidiarão as pautas do CMPU sobre
a revisão do Plano Diretor
deverão ser enviados
previamente junto à convocação aos conselheiros/as.
6. Todas as informações acerca da revisão
parcial do PDE devem estar
públicas na plataforma Gestão Urbana (https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/), ferramenta que deverá reunir e publicizar
toda a documentação unificada sob o número do SEI, possibilitando transparência e acesso para o conjunto
de 12 milhões de cidadãs e
cidadãos.
7. O
site do Plano
Diretor (https://planodiretor.sp.gov.br) deve ser suprimido, pois promove duplicidade e ambiguidade em relação às consultas no Gestão Urbana.
8. Somente as propostas que forem recebidas
e submetidas pelos
canais formais estabelecidos nesta primeira etapa
deverão ser consideradas, os quais farão parte do processo SEI específico, explicitada a identificação do remetente.
9. Todas as propostas deverão ser
apresentadas por meio de um formulário, desenvolvido especificamente para tal finalidade, de modo a garantir a transparência e facilitar o processo de sistematização.
10. A participação popular deve ser possibilitada por meio da realização de atividades presenciais com prévia e ampla divulgação, como oficinas e grupos de trabalho territoriais e temáticos, por distrito, organizadas pelas Subprefeituras, coordenadas pela Secretaria Municipal de
Licenciamento e Urbanismo (SMUL) e
acompanhadas pelo CMPU, com metodologia definida previamente e registros
dos debates e contribuições em formato padronizado.
11. As
propostas deverão ser analisadas pelo CMPU, e os dissensos debatidos por meio de realização de atividades específicas. O CMPU deverá se posicionar sobre estes pontos.
12. Deverá ser promovida uma campanha
de comunicação e formação de tal modo que
a população possa ter acesso às informações e conhecimento que serão necessários ao longo de todo processo
de revisão; bem como um processo de capacitação e planejamento com os servidores municipais que estarão
envolvidos na operação das atividades participativas.
13. O cronograma e os locais das atividades deverão ser divulgados com antecedência de no mínimo 15 dias.
14. As
propostas recepcionadas, incorporadas ou não à minuta do Projeto de Lei e respectivas justificativas, devem ser
apresentadas de maneira transparente, em
robusto processo de devolutiva à sociedade.
15. As
análises, estudos e pontos específicos indicados pelo poder público para revisão devem ser divulgados previamente,
com antecedência de no mínimo 30 dias da
atividade participativa.
ETAPA 02: REALIZANDO UMA ANÁLISE COLABORATIVA
Sem dados, evidências e uma boa análise não será possível
aprimorar o Plano. Para tanto, deve ser apresentada pela Prefeitura uma avaliação adequada
do Plano Diretor
vigente que deve ser discutida
em reuniões presenciais, de forma ampla e descentralizada. Os insumos utilizados
deverão estar disponíveis com antecedência e
em formato aberto, inclusive com a publicação das bases de dados completas utilizadas para os estudos.
Deverão ser apresentados índices qualitativos e quantitativos e dados concretos
referenciados e regionalizados, que traduzam avanços ou retrocessos parciais que indiquem os elementos que deverão ser revistos.
ETAPA 03: IDENTIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO DE PROPOSTAS DA REVISÃO PARCIAL
Nesta etapa deverão ser recepcionadas em formulário
especificamente criado para esse fim,
e divulgadas na plataforma Gestão Urbana, propostas e contribuições da sociedade.
Também nesta etapa, deverão ocorrer
em todos os distritos, as atividades
presenciais, como oficinas e grupos de trabalho territoriais e
temáticos. O registro dessas
atividades deverá ser publicizado, seguindo as premissas pactuadas na 1ª etapa.
As propostas apresentadas deverão ser divulgadas
publicamente assim como todos os estudos
que as subsidiarão deverão ser disponibilizados em formato aberto
e com todas as bases de dados utilizados para as análises
- conforme premissas
estabelecidas na primeira Etapa.
ETAPA 04: DEBATENDO A MINUTA DO PROJETO DE LEI DE REVISÃO PARCIAL
A 1ª minuta do PL e o documento de Sistematização das Contribuições, com indicativo de quais propostas foram
incorporadas e quais não foram,
com respectivas justificativas, deverão ser amplamente divulgados, com pelo menos 15 dias de antecedência da realização de debates:
1. Com o Conselho Municipal
de Política Urbana (CMPU), em reuniões específicas para esse fim;
2. Em reuniões
territoriais, pelo menos uma por Subprefeitura.
Todo o material
de registro desses encontros, elaborados de acordo com as premissas pactuadas, deverá ser amplamente
divulgado antes do envio do PL à Câmara.
As cerca de 500 organizações que compõem a Frente São Paulo pela Vida reivindicam um compromisso público e inequívoco da Prefeitura de São
Paulo com um processo participativo
da revisão parcial do PDE, amplo, transparente, com informações baseadas em dados e evidências, disponibilizadas em linguagem acessível, que possibilite participação efetiva de diferentes segmentos sociais, considerando, inclusive, suas vulnerabilidades.
São Paulo, 24 de novembro de 2021.