A vida nas cidades brasileiras está adoecida pelo excesso de barulho. O ruído se propaga, atravessa janelas, ocupa espaços públicos e privados, perturba o sono, afeta o humor, a concentração, o aprendizado e a saúde. Não importa de onde vem o som – de amplificação em vias públicas, arenas privadas, parques, bares, festas, grandes eventos, manifestações, veículos, tráfego aéreo, obras públicas ou privadas – o impacto é o mesmo: atinge moradores, em especial os mais vulneráveis como crianças, idosos, gestantes e pessoas com TEA, atinge trabalhadores, frequentadores, animais domésticos e a fauna urbana. O resultado é uma grave crise de saúde pública em grande parte evitável.
A
Organização Mundial da Saúde reconhece a poluição sonora como uma das maiores
ameaças ambientais à saúde pública nas cidades. A exposição contínua a ruídos
acima de 53 decibéis durante o dia e 45 decibéis à noite está associada a um
aumento significativo de doenças cardiovasculares como hipertensão, AVC e
infartos, distúrbios do sono, transtornos mentais, déficit cognitivo em
crianças, perda auditiva e sofrimento psíquico. No entanto, em todo o país,
milhões de brasileiros vivem diariamente sob níveis muito superiores a esses,
especialmente à noite e nos fins de semana.
Na cidade de São Paulo, o Programa de Silêncio Urbano (PSIU), foi um passo importante para fiscalizar alguns tipos de atividades ruidosas. Mas, assim como em tantas cidades, a estrutura atual é insuficiente diante da escala do problema. Para além da contratação imediata de fiscais de posturas municipais, com foco específico em ruídos, é urgente avançar mais.
É preciso criar soluções capazes de garantir os direitos constitucionais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, favorecendo assim a boa convivência urbana. Por isso, a Frente Cidadã pela Despoluição Sonora pede atenção das autoridades municipais para esse tema e propõe 12 passos para despoluir as cidades brasileiras desse mal invisível que adoece a população:
1. Atualizar a legislação municipal para adotar os parâmetros de referência da OMS e integrar critérios de saúde pública aos licenciamentos, autorizações e alvarás, exigindo o Estudo de Impacto Acústico e Plano de Mitigação e Controle de Ruído para quaisquer atividades recreativas, comerciais ou sociais com alta emissão sonora.
2. Revogar as exceções existentes em leis municipais de ruído que liberam certas atividades da obrigação de obedecer a limites saudáveis de emissão sonora, bem como vedar amplificação em logradouros públicos ou espaços abertos sem autorização expressa e controle de níveis in loco.
3. Criar o Conselho Municipal de Saúde Acústica, com participação da sociedade civil, de instituições técnico-científicas e do poder público, com prerrogativa para propor normas, acompanhar dados, avaliar resultados e convocar audiências públicas, articulando saúde, meio ambiente, cultura, urbanismo e segurança.
4. Instalar a Comissão de Controle de Ruído Urbano, órgão deliberativo com poderes de definir protocolos, emitir pareceres vinculantes e aprovar os Estudos de Impacto Acústico e Planos de Mitigação e Controle de Ruído de atividades ruidosas.
5. Instituir a Autoridade Municipal de Despoluição Sonora, com orçamento próprio, equipe técnica concursada, autonomia suficiente para fiscalização, poderes para autorizar, suspender ou cassar licenças, autorizações e alvarás de estabelecimentos, eventos e atividades que desrespeitem os limites de ruído e que divulgue relatórios de denúncias, autuações, sanções e reincidências.
6. Elaborar e publicar Mapa de Ruído municipal com revisão periódica, com dados abertos e camadas temáticas (saúde, escolas, hospitais, residências, rotas de transporte, áreas verdes, áreas de lazer, entre outras) e integrar a ele dados da segurança pública de reclamações e denúncias de perturbação do sossego e dados epidemiológicos da saúde (hipertensão, transtornos do sono, sofrimento psíquico, afastamentos laborais).
7. Delimitar Áreas de Sensibilidade Acústica em zonas residenciais, hospitalares, escolares e de proteção especial, definindo horários e limites para atividades ruidosas nestes locais, mantendo monitoramento em tempo real com sensores de ruído conectados à Prefeitura para aferição contínua, gatilhos de alerta e auditoria, incluindo mapa online público com pontos críticos.
8. Determinar a instalação de sensores de ruído em estabelecimentos e eventos com atividades ruidosas, que deverão estar conectados à rede de sensores da Prefeitura como forma de auto-fiscalização do setor privado, bem como estabelecer a obrigatoriedade do uso da tecnologia de limitadores de ruído para o uso de amplificadores em ambientes fechados e abertos.
9. Promover programas de incentivo fiscal e linhas de crédito para tratamento acústico e outras soluções de mitigação de estabelecimentos, templos religiosos e equipamentos culturais, bem como programas de reconhecimento público (Selo Saúde Acústica) para espaços adequados.
10. Integrar as Guardas Municipais às operações de fiscalização com apoio tático aos fiscais de posturas e criar Procedimentos Operacionais Padrão, dentro dos limites da lei, para o atendimento imediato das Guardas a reclamações de perturbação do sossego, com poder de atuar para cessar irregularidades.
11. Incluir metas e indicadores de saúde acústica e despoluição sonora no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), criando painéis públicos para monitoramento.
12. Desenvolver campanhas públicas de educação acústica nas escolas e nas rádios, TVs, e redes sociais, promovendo conceitos de saúde acústica e a convivência respeitosa nos espaços públicos, valorizando o direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado.
Precisamos de um novo pacto urbano que reconheça o espaço sonoro como um bem público essencial à dignidade humana e à sustentabilidade nas cidades. É urgente romper com a ideia de que o barulho representa progresso e de naturalizar formas de lazer com níveis sonoros prejudiciais à saúde. Progresso e lazer de verdade é ter qualidade de vida: é poder viver sem adoecer, conviver com respeito, dormir em paz e habitar o próprio lar sem sofrimento. A poluição sonora nas cidades é um sinal de desequilíbrio social e ambiental e precisa ser despoluída.