Com efeito, as disposições da
Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021, alteraram
a Lei nº 15.893, de 2013, do Município de São Paulo, o que torna indubitável a necessidade de planejamento prévio adequado, não se admitindo
o expediente lançado, a qual, sem planejamento, afetou as
funções sociais da cidade e o bem-estar da população.
Para que a norma urbanística tenha legitimidade e
validade deve decorrer de um planejamento, que é um processo técnico
instrumentalizado para transformar a realidade existente
no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples
vontade do administrador, desprovida, em muitos casos, de elementos vinculados às reais necessidades do território e de sua população, mas de estudos técnicos que
visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar,
trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem-estar de seus habitantes (art.
180, I, da Constituição Estadual).
E, neste
sentido, todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo, seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado
imóvel e seus limites, regras sobre edificação, modificação da permeabilidade do solo, alteração do uso do solo para determinada via,
área ou bairro, intervenções
urbanísticas etc.), deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um
sistema de ordenamento urbanístico, daí a exigência de planejamento e estudos técnicos.
O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a
política de desenvolvimento urbano, executada
pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes” (grifos acrescentados).
O inciso
VIII do art. 30 da Constituição Federal
prevê, ainda, a competência dos Municípios para “promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento
e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.
Em
decorrência dos dispositivos acima apontados, pode-se
concluir o seguinte: (a) a adequada
política de ocupação
e uso do solo é valor que conta com
assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes
através de lei; (c) as diretrizes para o
planejamento, ocupação e uso do solo
devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação
concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica
sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e
participação popular, feito
de forma integral.
De fato, a norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade,
de superposição daquilo que será a realidade
do futuro àquilo que é a realidade atual. Para que tenha legitimidade e validade deve decorrer de um
planejamento que é um
processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade no sentido de objetivos previamente estabelecidos.
O
planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência
constitucional (arts. 48, IV, e 182, da Constituição Federal; e
art. 181, caput e
§ 1º, da Constituição Estadual). Tornou-se
imposição jurídica, mediante
a obrigação de elaborar planos
e estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao
estabelecimento de diretrizes e normas relativas
ao desenvolvimento urbano.
O
planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas
jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos
gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos
de atuação concreta, de natureza executiva.
Discorrendo a respeito do tema,
Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios,
mapas e plantas técnicas, configurando
um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de
transformação que consubstanciam o processo
de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano
urbanístico adquire, ele próprio, por
contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por
técnicos e especialistas adquirem a categoria
de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo
que, em seus desdobramentos,
se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação
urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme
a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal
Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28, apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª
ed. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 83).
A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:
“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).
A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos
substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica
para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do
zoneamento e de outras intervenções e restrições urbanísticas que, como
manifestação concreta do planejamento, tem por objetivo regular o uso da propriedade
do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da
população, conformando-os ao princípio da função social.
Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter
objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida
dos habitantes da cidade e de quem por ela circule, à luz de suas reais
necessidades e de critérios objetivos aferidos a partir de estudos técnicos.
Qualquer atividade urbanística busca a transformação e
orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a
ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações
das normas que regulam o uso e ocupação do solo, as intervenções
urbanísticas, alterando suas diretrizes e regras, dependem de um estudo que deve levar em
conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às
características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu
desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.
A sistemática constitucional - relativa à necessidade de
planejamento, diretrizes e ordenação global da ocupação e uso do solo
-, evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma
admissível.
Entendimento diverso, inclusive, tornaria sem valor algum todo
o trabalho realizado previamente para fins de elaboração e aprovação da
Lei do Plano Diretor, de Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo, de Proteção
e Recuperação de Mananciais etc. A propósito, anota Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6. ed., 3. tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 393 e 395): “Toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação. Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também as áreas de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros núcleos urbanos que tendem a formar-se na periferia.”
Tratando especificamente da ocupação e uso do solo, José Afonso da Silva (Direito Urbanístico, 4. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 251), em lição que mutatis mutandis é aplicável à hipótese em exame, anota que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do planejamento urbanístico, salientando ainda que:
“recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconsequente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento
revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que
dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com
firmeza, energia e justiça.”
Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas,
pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização do
solo urbano estampadas no ato normativo que implantou a operação urbana
consorciada Água Branca etc. Caso contrário, tornaria sem qualquer validade
todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por
ocasião da propositura e aprovação da referida norma.
Acerca da importância do planejamento urbanístico, que deve
preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio
Mukai que: “a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam
eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob
as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são
necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade,
avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem
danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as
pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os
interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito
urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).
Não obstante essas sejam as regras aplicáveis aos
Municípios, por força do art. 144 da Carta Estadual, da análise do processo
legislativo que redundou na edição da Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021 do
Município de São Paulo, constata-se que não ocorreram estudos e levantamentos
técnicos específicos para a verificação da viabilidade da proposta, notadamente
destinada a impulsionar
a atividade econômica no Município, comprometendo
o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.
A Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021 alterou dispositivos da Lei Municipal nº 15.893/13, que estabelece diretrizes gerais, específicas e mecanismos para a implantação da referida Operação Urbana, definindo programa de intervenções para a área da Operação e também promoveu a substituição do Quadro III – Fatores de Equivalência de Certificados de Potencial Adicional de Construção - CEPACs.
Estudos econômicos elaborados pela SP Urbanismo denotaram a necessidade de revisão dos valores dos CEPACs, de forma a viabilizar a efetiva implantação de empreendimentos privados na região (fls. 22/55, 219/348, 429/494).
Não obstante, o texto substitutivo foi aprovado e encaminhado ao Prefeito Municipal para sanção, sendo acolhido o projeto de lei, com veto parcial, atingindo o artigo 12-C, que estabelecia que “os recursos de que trata o caput deste artigo não poderão ser utilizados no âmbito de parcerias público-privadas, regradas pela Lei Federal nº 15.893, de 2013.”, conforme publicação no Diário Oficial de 05 de junho de 2021, dando-se origem à Lei nº 17.561/21.
A
lei sancionada alterou o art. 12, o §1º, o art. 40 e o art. 41, acrescentou os
arts. 12-A e 12-B, substituiu o Quadro III – Fatores de Equivalência de CEPAC, além
de trazer outras disposições.
Além
da ausência de efetiva participação popular na discussão do Projeto de
Lei aprovado, observa-se que dentre as alterações trazidas pelo novo diploma legislativo,
teve repercussão a redução do valor mínimo do CEPAC (§1º, do art. 40,
da Lei nº 15.893/13), de R$ 1.400,00 para R$ 900,00 para o CEPAC-R e de R$
1.600,00 para R$ 1.100,00 os CEPAC-nR. Não foi apresentado pela Câmara Municipal estudo de viabilidade técnica econômica financeira atualizado, apto e necessário para aferir se o valor da CEPAC é compatível com a região da operação e suficiente para satisfazer os objetivos e o programa das intervenções da Operação Urbana Consorciada Água Branca.
Apesar de os representantes da Sociedade Civil do Grupo Gestor do OUC Água Branca terem solicitado à Comissão de Finanças Orçamento da Câmara Municipal a retirada do projeto da pauta até que o estudo técnico de viabilidade técnica econômica financeira fosse concluído, tal pedido não foi acolhido.
Nesse cenário, verifica-se que a Lei nº 17.561/21 alterou a Lei da nº 15.893/13, desrespeitando a necessidade de planejamento técnico, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas à instituição de diretrizes urbanas. Há, desse modo, clara violação aos arts. 180, II, e 181, caput da Constituição Estadual. Com efeito, nos termos dos arts. 180, II, e 181, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao desenvolvimento urbano e, no caso em apreço, houve uma redução significativa do valor do CEPAC, por meio do diploma legal ora referido, sem que, conforme já narrado acima, tenham sido feitos estudos atualizados e detalhados a respeito a pertinência de tal redução, ou das consequências e impactos que ela trará quanto aos mais diferentes e relevantes aspectos (urbanísticos, sociais, etc.).
Sobre a necessidade de planejamento específico em normas que tratam de diretrizes urbanísticas, já decidiu o colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Ação direta de inconstitucionalidade. Catanduva. Lei Complementar Municipal n. 937, de 12 de setembro de 2018, de iniciativa parlamentar, que ‘Altera a Lei Complementar n. 831, de 18 de março de 2016, que aprova o plano diretor de mobilidade de Catanduva-SP – áreas urbanas e rural, estabelece as diretrizes para acompanhamento e o monitoramento de sua implantação e dá outras providências’. Incompatibilidade com o disposto no art. 180, II, da Constituição Estadual. Ato normativo que, por seu conteúdo relacionado à mobilidade urbana/urbanismo, dependia de prévios estudos de planejamento e da participação popular, os quais não foram realizados durante a tramitação do projeto de lei do qual se originou. Incompatibilidade com o texto constitucional caracterizada. Procedimento informado pelo princípio da causa petendi aberta. Legislação impugnada que viola o princípio da reserva da administração. Ofensa aos arts. 5º, caput, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Ação procedente”. (TJ/SP, ADI nº 2224119-80.2018.8.26.0000, Rel. Des. Antônio Celso Aguillar Cortez, julgada em 27/03/2019).
Desse modo, patente a inconstitucionalidade da Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021, que alterou as normas urbanísticas anteriormente editadas, sem estudos prévios individualizados e consistentes, desrespeitando frontalmente o disposto nos arts. 180, II e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos arts. 182, caput e § 1º, e 30, inc. VIII, da Constituição Federal.
B. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR.
De plano, cumpre salientar que a transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.
A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.
Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem-estar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.
Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.
O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (arts. 180, II e 191). Em outras palavras, para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa nesse assunto, é preciso possibilitar e efetivamente garantir o controle social, isto é, “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 3ª ed., 2000, p. 48).
A participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria constitucionalidade como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de 88: “Por conseguinte, será forçoso reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais espaço para falar em processo impositivo (ou vertical) de urbanização, de caráter unilateral e autoritário e, em consequência, sem qualquer respeito às manifestações populares coletivas. Em outras palavras, abandona-se o velho hábito de disciplinar a cidade por regulamentos exclusivos e unilaterais do Poder Público. Hoje as autoridade governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento urbanístico” (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 298).
O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento, como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 4.845, de 19 de março de 2014, do Município de Taubaté, que ‘revoga parte das restrições urbanísticas impostas ao Loteamento Reserva Alto do Cataguá’ – Norma de uso, ocupação e parcelamento do solo – Processo legislativo – Ato normativo que por seu conteúdo, dependia de prévios estudos de planejamento e efetiva participação popular – Ademais, qualquer alteração do loteamento registrado depende de acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, nos termos da Lei nº 6.766/1979 – Violação aos artigos 144 e 180, incisos II e V, e 181, caput, da Constituição do Estado de São Paulo – Modulação dos efeitos (ex nunc). Pedido procedente, com modulação”. (TJ/SP, ADI nº 2272571-24.2018.8.26.0000, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. em 08/05/2019).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Pretensão que envolve a Lei Complementar nº 307, de 13 de outubro de 2016, do município de Embu das Artes, que altera o plano diretor instituído pela Lei Complementar nº 186, de 20 de abril de 2012 – Texto legal que afronta os arts. 180, I e II,181, ‘caput’ e § 1º, e 191 da Constituição do Estado de São Paulo – Direito Urbanístico – Norma de uso e ocupação do solo com reforma do zoneamento local – Essencialidade de que todas as leis municipais sobre o tema obedeçam as diretrizes do Plano Diretor e que as que o alterem sigam estritamente os preceitos constitucionais para tanto – Não realização de planejamento técnico e participação popular – Documentação que não demonstra o efetivo estudo técnico, com pareceres e laudos de todas as áreas especializadas necessárias – Irrelevância da extensão das mudanças, pois as exigências constitucionais devem ser seguidas em qualquer aspecto – Alteração pontual, dissociada do sistema fixado para o uso do solo integral do ente federado, que torna ineficaz qualquer planejamento anterior realizado para o Plano Diretor – Regramentos que devem se atentar à totalidade do território – Requisito constitucional de participação popular não preenchido – Falta de comprovação de efetiva presença de entidades sociais indicadas nos autos – População que figura como diretamente interessada nos efeitos das regras urbanísticas – Realização de única audiência que não atendeu aos objetivos do pressuposto constitucional, por não estar acompanhada de verdadeira participação com encaminhamento e opiniões sobre projetos, por haver discordância dos poucos participantes e pela ausência de entidades no prosseguimento do processo legislativo – Mesmo que inexista prazo legal específico para a publicação da convocação da audiência, o período dado para garantir o conhecimento e o preparo para comparecimento dos institutos e pessoas interessadas deve ser útil – Atuação de vereadores, como representantes do povo, que não supre a condição, devendo ser assegurada a participação direta – Inconstitucionalidade – Configuração – Necessidade de modulação dos efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, diante do período de vigência da lei e da necessária segurança jurídica e do interesse social envolvendo condutas de boa- fé adotadas com base no texto legal até então vigor – Eficácia a partir desta decisão (efeito ‘ex nunc’) – Ação procedente”. (TJ/SP, ADI nº 2101490-07.2018.8.26.0000, Rel. Des. Alvaro Passos, j. em 06 de fevereiro de 2019, grifos acrescentados).
A notícia de que o Projeto de Lei nº 397/2018 seria discutido em audiência pública virtual em 01 de junho de 2021, às 10 horas, foi inserida na página eletrônica da Câmara em 26 de maio de 2021, às 20 horas e 47 minutos, e apenas divulgada no Diário Oficial do Município no dia 28 de maio de 2021.
Deste modo, o tempo estabelecido entre a divulgação e a realização do ato foi injustificadamente exíguo e impediu a efetiva participação popular. Mesmo após o Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio da Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital, ter feito recomendação ao Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, para que se suspendesse o processo legislativo de revisão da Lei Municipal n° 15.893/13 por meio do Projeto de Lei n° 397/18 até que fosse refeita a divulgação da audiência pública no Diário Oficial e também em jornais de grande circulação, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias para o ato, e que o horário da audiência pública não coincidisse com a jornada regular de trabalho, a recomendação não foi acatada, tendo sido encaminhado ofício pela Presidência da Câmara Municipal apresentando justificativas para realização da audiência, ressaltando que a convocação ocorreu também por meio de publicação no Diário Oficial de 29 de maio de 2021 e em dois jornais de grande circulação, que não foram indicados.
A referida audiência pública foi realizada e, na mesma data (01 de junho de 2021), em sessão da Câmara Municipal, foi deliberado que no dia seguinte (02 de junho de 2021) seria votado o substitutivo do Projeto de Lei nº 397/18. Não bastasse a ausência de prévia e ampla divulgação da audiência pública, o que impediu a ampla participação popular, o substitutivo, discutido e aprovado na sessão plenária de 02 de junho de 2021, não foi integralmente debatido na audiência pública realizada no dia 02 de junho de 2021. A ausência de debate do substitutivo foi demonstrada pela manifestação de André Araújo, participante do Movimento de Regularização Fundiária e Urbanização/Movimentos Unidos pela Habitação na solenidade, que impugnou a realização da audiência pública sem a apresentação do texto final do projeto, o que tornou inócua a participação popular exercida nas outras sete audiências públicas realizadas, já que o texto aprovado não foi o discutido com a sociedade civil.
Não obstante, o texto substitutivo foi aprovado e encaminhado ao Prefeito Municipal para sanção, sendo acolhido o projeto de lei, apenas com veto parcial. Inquestionável, desse modo, o desrespeito à exigência constitucional da participação popular na tramitação do processo legislativo que deu origem à Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021, do Município de São Paulo, por subtrair a possibilidade e exigência constitucional da efetiva participação popular, ferindo frontalmente o disposto nos arts. 180, II, e 191 da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput e § 1º, e o art. 30, XII, da Constituição Federal.
4. PEDIDOS.
Diante do exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 17.561, de 04 de junho de 2021, do Município de São Paulo. Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Paulo, bem como citada a douta Procuradora-Geral do Estado, protestando-se, posteriormente, por nova vista para manifestação final.
Requer, por fim, a concessão de medida liminar determinando a suspensão da eficácia da lei vergastada até final e definitivo julgamento, considerando a ponderabilidade do direito alegado e o perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação na execução da lei que impacta o desenvolvimento urbano, de maneira a alforriar, ainda, expectativas de terceiros.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 29 de julho de 2021.
Mário Luiz Sarrubbo
Procurador-Geral de Justiça
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