LEIA AQUI A LIMINAR
Promotoria
de Justiça de Habitação e Urbanismo
Rua
Riachuelo, número 115, 1º. Andar, Centro São Paulo –
SP
Fone:
(11) 3119-9118
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 4ª. VARA DA FAZENDA PÚBLICA -
COMARCA DE SÃO PAULO – SP
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO, por seu
Promotor de Justiça ao final assinado, no uso de suas atribuições,
e com especial amparo no artigo 129, incisos II e III, da
Constituição Federal; no artigo 25, inciso IV, b,
da Lei n° 8.625/93; no artigo 1°, inciso IV da Lei n° 7.347/85;
nos dispositivos aplicáveis da Lei municipal 11.774/1995 e da
legislação processual civil em vigor, vem, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, ajuizar, sob o rito ordinário
(artigo 282 e seguintes do Código de Processo Civil), a presente
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA PARA GARANTIA DO ORDENAMENTO URBANO, DEFESA DO MEIO
AMBIENTE, DO DIREITO À MORADIA DA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA E
RESPEITO À LEGISLAÇÃO MUNICIPAL VIGENTE em
face do MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO, pessoa jurídica de
direito público, na pessoa do Excelentíssimo Senhor Prefeito
Municipal, Sr. Fernando Haddad, com endereço no Edifício Sede da
Prefeitura Municipal de São Paulo localizado no Viaduto do Chá,
número 15, nesta cidade de São Paulo – SP, ou na pessoa do
Excelentíssimo Senhor Procurador Geral do Município, Doutor Celso
Augusto Coccaro Filho, com endereço na Rua Maria Paula, 270,
telefone (11) 3396-1600, nesta Capital-SP, tendo por objetivo a
adoção de todas as providências legais, na esfera administrativa,
para
que os recursos arrecadados com base na Lei municipal 11.774/1995
(que dispõe sobre a Operação Urbana Água Branca)
e que atualmente se encontram disponíveis em fundo específico sejam
totalmente empregados e investidos na área abrangida pela aludida
operação,
independentemente de recursos que poderão ser arrecadados com base
em lei nova que possa vir a ser promulgada e originada do PL
505/2012, atualmente em tramitação na Câmara Municipal de São
Paulo, Projeto de Lei este já aprovado em primeira votação no
último dia 09 de abril de 2013 (ou com base em eventual substitutivo
que seja apresentado, votado e aprovado), de maneira que sejam
atendidos os preceitos já estabelecidos na lei que vigora na data de
hoje, assegurando-se a execução dos projetos já previstos, não
se permitindo a reunião desses recursos já arrecadados aos que
porventura vierem a ser futuramente recebidos pela Municipalidade,
quer seja pela outorga onerosa do direito de construir, quer seja
pela venda de CEPAC ou por qualquer outro meio, atendendo,
assim, o que já estava previsto e estabelecido na Lei acima
referida, em seus artigos 3º e 18, § 4º e quadro geral de obras
anexo à lei.
I
– DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Inicialmente,
ressalte-se que a legitimidade para agir do MINISTÉRIO
PÚBLICO DE SÃO PAULO encontra
fundamento de validade precipuamente nos artigos 127, caput;
129, incisos II e III; e pela especificidade do caso, nos artigos 6º,
30, inciso VIII, 182, caput,
e 225, caput ,
todos da Constituição Federal, bem como no artigo 5º da Lei
Federal nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública).
A
legitimidade para figurar no polo ativo da presente ação é patente
diante do exercício da função institucional em defesa dos direitos
sociais, do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da ordem
urbanística e do devido cumprimento das leis pelos representantes
que integram os Poderes Públicos, função essa expressamente
prevista na Constituição Federal.
Neste
tópico importante anotar que, para a sobrevivência de diversos
grupos sociais, cabe ao Município prestar serviços e realizar obras
que atendam a coletividade no seu todo e não usuários determinados,
não sendo admissível que a não prestação ou prestação precária
de um serviço ou de uma obra, que possa atingir um grupo
indeterminado de pessoas (interesses difusos), unidas pela
circunstância fática de encontrarem-se residindo ou em permanência
transitória neste município de São Paulo, figurando como vítimas
ou potenciais vítimas, criem situações como as que, nos últimos
anos, têm enfrentado os moradores da região da Água Branca e
adjacências (tal como a falta de moradia à população de baixa
renda, inundações e prejuízos pelo deficiente sistema viário
oferecido).
Daí
porque legítimo o interesse de agir do MINISTÉRIO
PÚBLICO,
visando garantir diretamente a preservação da ordem pública urbana
e do meio ambiente urbano, zelando, ainda que de forma indireta, pela
efetividade dos serviços de relevância pública, assegurados
constitucionalmente (artigos 6°, caput,
30, VIII, 182, caput,
e 225, caput
, todos da
Constituição Federal)1.
Funda-se,
também, a legitimação para agir, na cláusula aberta do artigo
129, inciso IX, da Constituição Federal, pela qual incumbe ao
MINISTÉRIO PÚBLICO
“exercer outras funções que
lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade,
sendo-lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas”.
1
Art.
6º “São
direitos sociais a
educação, a
saúde,
a alimentação, o trabalho, a
moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição” (grifo nosso)
Art.
30. “Compete aos Municípios: [...]
[...]
VIII
- promover,
no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano”;
Art.
182. “A política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o
bem- estar de seus habitantes”.(grifo
nosso)
Art.
225. “Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”.
Assim,
objetivando a defesa de direito difuso, de natureza constitucional
com idônea alegação de que esse direito se encontra lesado, o
Ministério Público tem interesse de agir e, em consequência,
legitimação para propor a presente ação civil pública.
Vale
lembrar que não se trata aqui de invadir atribuições do Poder
Executivo municipal, tolhendo-lhe a necessária discricionariedade
para bem gerir os recursos públicos, mas apenas determinar que o
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
cumpra estritamente a
legislação municipal em vigor, evitando que recursos que já
estavam vinculados a fins específicos sejam desviados para outros
fins que não aqueles previstos na Lei de 1995 e que há 18 anos não
foram aplicados por inércia ou má qualidade da sua gestão pelas
anteriores administrações.
Ou
seja, o resultado esperado na presente ação é a condenação do
Município de São Paulo a obedecer estritamente a Lei municipal
vigente, especialmente na execução imediata de obras com recursos
já arrecadados e originados da Operação Urbana Água Branca e que
porventura ainda não estejam comprometidos (entenda-se, empenhados)
para os fins a que aludem a Lei municipal 11.774/95,
independentemente de fixação de prazos para conclusão das obras.
Nesse
sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO
E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO
EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1.
Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império
da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato
administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para
o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo,
tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la. 3. O Poder
Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos
da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de
conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem
observar critérios de moralidade e razoabilidade. 4. Outorga de
tutela específica para que a Administração destine do orçamento
verba própria para cumpri-la. 5. Recurso especial provido. (REsp
429.570/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
11.11.2003, DJ 22.03.2004 p. 277).
É
certo concordar, conforme lição de HUGO NIGRO MAZZILLI, que:
“A
pretexto de conceder tutela a interesses transindividuais, não pode
o Poder Judiciário administrar em lugar do administrador ou impor ao
Poder Executivo diretrizes de oportunidade e conveniência que só a
este incumba considerar. Isso afasta, em princípio, a possibilidade
de ajuizamento de ações civis públicas ou coletivas, em matéria
cujo juízo discricionário seja conferido pela lei estritamente ao
administrador (o chamado mérito do ato administrativo
discricionário)”. (in “A Defesa dos Interesses Difusos em
Juízo”, 21. Ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2008, p. 137)
Assim,
não poderia o Poder Judiciário determinar, por exemplo, que o
Município de São Paulo construísse uma nova ponte, uma via
pública, uma escola ou um hospital em determinado prazo, ou mesmo
que fizesse incluir em projeto orçamentário verbas para esses fins.
Muito
diferente, todavia, é a determinação, pelo Poder Judiciário, que
o Poder Executivo, ao executar suas obras, observe as disposições
legais atinentes ao assunto – v.g., a Lei 11.774/95 – que já
vinculou o uso dos recursos arrecadados, entre 1995 e a presente
data, à execução de obras determinadas na área afetada pela
operação urbana, muito embora permaneça a seu critério de
conveniência e oportunidade o momento em que implantará a obra
(espera-se, todavia, que seja no menor prazo possível), pois é
sabido que o Administrador precisa respeitar o devido processo
licitatório para tal fim.
O
que não se justifica é a demora de quase duas décadas para se
empregar os recursos e, o que é pior, com risco potencial de esses
recursos serem destinados a um fundo novo e serem usados para outros
e novos fins que não os que inicialmente foram previstos àquela
época.
Novamente
cabe neste espaço a lição do Procurador de Justiça e doutrinador
HUGO NIGRO MAZZILLI:
“Em
síntese, não cabe ao Poder Judiciário impor critérios ou
prioridades de ação ao administrativo; este é que escolhe as
atividades que vai fiscalizar ou as obras que vai fazer, as que vai
empreender de imediato e as que vai postergar para momento mais
oportuno. Mas, se um particular invade uma área pública, se um
medicamento adulterado é colocado no mercado, se um funcionário
comete alcance – é impositiva a reação do administrador contra
as infrações à lei.
“Por
esse e pelos demais fundamentos, exemplificativamente, não se pode
afastar do exame do Judiciário o pedido em ação civil pública que
vise a compelir o administrador a dar vagas a crianças nas escolas
ou a investir no ensino, a assegurar condições condignas e
suficientes para o cumprimento das penas pelos sentenciados, a
propiciar atendimento adequado nos postos públicos de saúde, a
assegurar condições de saneamento ou segurança no Município ou no
Estado etc. O que não se há de admitir, porém, é o uso da ação
civil pública ou coletiva para administrar em lugar do governante.
“Cautela
que se há de ter de maneira muito especial é na formulação
técnica do pedido em ação civil pública ou coletiva. Com efeito,
há casos em que não é possível obrigar o Estado a fazer uma obra
determinada, como, por exemplo, construir um novo aterro sanitário
em tal ou qual lugar, matéria que supõe decisão discricionária do
administrador; mas, se o uso do aterro já existente vem
comprometendo o meio ambiente, será perfeitamente possível condenar
o Município a não continuar a praticar um ato ilícito (ou seja,
vedando-lhe prossiga na atividade poluente de continuar a usar um
depósito de lixo já saturado ou inadequado).” (obra citada,
pp.138-139)
Não
se olvida que o poder discricionário do Estado está ligado aos
fatores conveniência e oportunidade, sendo a escolha do
administrador. Daí porque o entendimento de que o mérito dos atos
discricionários da administração pública não podem ser julgados
quando estiverem protegidos pelo princípio da legalidade.
Mas,
no caso presente, não estamos a tratar de um ato discricionário do
Administrador, pois a ele não são dadas a faculdade, a oportunidade
e a conveniência de deixar de empregar os recursos já arrecadados
por força da lei vigente (Lei municipal 11.774/95) e destiná-los
futuramente para outros fins, o que se mostra temerário aqui, pois
ainda que baseado na revisão da lei, é que o projeto de lei
encaminhado pelo próprio Executivo contempla a hipótese de serem
somados os recursos atuais aos futuros e o seu uso, ainda que na
Operação Urbana Água Branca, para fins possivelmente diversos
daqueles que inicialmente foram previstos e que há 18 anos milhares
de munícipes que residem ou trabalham naquela região já esperam.
Vai
daí que não há espaço, neste momento, para se falar em
discricionariedade do Administrador Público.
Segundo
Seabra Fagundes, “o mérito está no sentido político do ato
administrativo. É o sentido dele em função das normas da boa
administração, ou, noutras palavras, é o seu sentido como
procedimento que atende ao interesse público e, ao mesmo tempo, o
ajusta aos interesses privados, que toda medida administrativa tem
que levar em conta”.
Para
o autor, se o Poder Judiciário julgasse o mérito dos atos
administrativos, estaria ele fazendo papel de administração,
violando a separação dos poderes, já que o poder discricionário é
uma atribuição do poder executivo.
Esta
não é a hipótese da presente ação. A hipótese aqui trazida é a
que espera que os atos administrativos baseados na vigente Lei
11.774/95 se cumpram conforme determinação já estabelecida nessa
legislação e não venha a ocorrer qualquer desvio de finalidades,
caso seja promulgada a lei que irá ampliar a Operação Urbana Água
Branca.
II
– DOS FATOS
Define
o Estatuto da Cidade a operação urbana como o conjunto de
intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal,
com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em
uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias
sociais e a valorização ambiental (artigo 32, § 1º, da Lei
federal 10.257, de 10 de julho de 2001)
Trata-se
de um conjunto de ações e medidas que tem em vista possibilitar um
desenvolvimento de uma determinada área da cidade, mediante a
conjugação de esforços para que o mencionado espaço venha a ter,
em curto espaço de tempo, características e conformações
almejadas pelo plano urbanístico municipal.
Por
meio da operação urbana concentram-se esforços para se promover ou
realizar uma política urbana reformadora e corretiva, instrumento de
grande valia na solução de inúmeros problemas do município,
especialmente de uma cidade como São Paulo.
Daí
a sua importância.
Diante
desse relevante instrumento, encarregaram-se os legisladores
municipais de colocar em discussão o projeto que acabou se
transformando na Lei 11.774/1995 (atualmente em vigor), criando a
Operação Urbana Água Branca, que engloba parte dos bairros da Água
Branca, Perdizes e Barra Funda. (documento 1)
Conforme
a referida legislação, a maior área estaria inserida na várzea
natural do Rio Tietê, englobando inclusive antigos meandros,
suscetível, portanto, a inundações naturais. Todavia, em razão de
fatores como desmatamento, impermeabilização do solo, canalização
dos córregos contribuintes em galerias fechadas e ocupação
inadequada das margens, tornou-se uma área sujeita a alagamentos
pontuais disseminados.
Daí
porque o objetivo estratégico da Operação Urbana Água Branca,
conforme a própria Prefeitura Municipal anuncia em sua página
eletrônica (portal), consistiu e consiste, desde sua origem, na
promoção do desenvolvimento da região de modo equilibrado, dando
condições para que as potencialidades regionais sejam devidamente
efetivadas, elencando
como objetivos específicos: a) a implantação de um conjunto de
melhoramentos viários visando ligações de longo percurso e a
reestruturação do viário local, hoje fragmentado; b) a melhoria
dos sistemas de macro e microdrenagem para diminuir os problemas de
inundação ocasionados pela deficiência das redes e galerias
existentes; c) a implantação de espaços públicos; d) a construção
de unidades habitacionais destinadas também à população de baixa
renda; e e) à implantação de equipamentos de interesse da
comunidade2.
Observa-se
do mesmo portal o seguinte texto: “As
propostas de participação já aprovadas na Operação Urbana
permitirão a construção de novas unidades residenciais,
contribuindo para o repovoamento do distrito da Barra Funda que vem
perdendo população nas últimas três décadas.
Esses dados indicam uma nova vocação para a região e necessidade
de rever alguns dos parâmetros até agora adotados. Além
disso, como existem grandes glebas vazias, de propriedade pública e
privada, é preciso realizar o parcelamento dessas áreas para que
elas se tornem efetivamente grandes áreas verdes públicas capazes
de desempenhar papel fundamental na mitigação dos problemas de
inundações, recuperação da paisagem e contenção das ilhas de
calor, visando o equilíbrio do micro clima da região”.
Evidentemente,
previu o Legislativo municipal o que fazer com os recursos
arrecadados, notadamente ao constar expressamente dos incisos do
artigo 3º e no parágrafo quarto do artigo 18, ambos da Lei
11.774/1995, onde deveriam ser aplicados3.
Nesse particular, transcreve-se o teor do Quadro 1 (documento 2) a
que se refere o parágrafo quarto do artigo 18 da atual lei:
QUADRO
DO PROGRAMA DE OBRAS (Anexo da Lei 11.774/95)
SOBRE
O SISTEMA VIÁRIO:
I
- Ligação viária entre Avenida Francisco Matarazzo e rua Tagipuru,
com 30 metros de largura e 120 metros de extensão;
II
- Extensão da Avenida Gustav Willi Borghoff do Terminal Barra Funda
até a Avenida Santa Marina, com 20 metros de largura e 870 metros de
extensão;
III
- Extensão da Avenida José Nelo Lorenzon a sul, entre a Avenida
Marquês de São Vicente e a via descrita no item anterior, com 20
metros de largura e 900 metros de extensão;
3
Art.
3° – A Operação Urbana Água Branca tem como objetivos
específicos: I – Implantar o programa de obras descritos no Quadro
nº 1, anexo a esta lei, de ampliação do sistema viário e drenagem
da região; II – Construir, em locais adequados, situados dentro do
perímetro de que trata o artigo 1º desta lei, habitações para
população de baixa renda que resida na área da Operação Urbana,
em condições precárias; III – Ampliar e implantar, na região,
espaços públicos, áreas verdes e equipamentos coletivos; IV –
Incentivar a ocupação ordenada das áreas vazias §
4º - Os recursos do Fundo Especial de Operação Urbana Água Branca
- FEAB serão
aplicados exclusivamente em investimentos a serem efetivados na
Operação Urbana, atendidos os objetivos propostos por esta lei, e
na execução das obras previstas no Quadro nº 1 anexo
IV
- Extensão da rua Mário de Andrade até a Rua Carijós, com 18
metros de largura e 2 000 metros de extensão;
V
- Passagem em desnível na Avenida Santa Marina, com 300 metros de
extensão sob as linhas ferroviárias da CBTU e FEPASA;
VI
- Construção de Ponte sobre o Rio Tietê em continuidade à Avenida
Água Preta/Pompéia, segundo diretriz de SVP/PROJ 4 e a Lei de
melhoramento nº 8895 de 19 de abril de 1979;
VII
- Pavimentação e infra - estrutura da Avenida José de Nelo
Lorenzon, com 26 metros de largura e 870 metros de extensão;
VIII
- Pavimentação e infra - estrutura da Rua Quirino dos Santos, com
24 metros de largura e 600 metros de extensão;
IX
- Reparcelamento e arruamento das Quadras 110 e 122 do Setor 019
(73.700 m²) e parte da Quadra 034 do Setor 197 (aproximadamente
235.000 m²), fazendo- se respeitar reserva de 20% da área bruta
para sistema viário e 20% para áreas verdes;
X
- Alargamento de passeios públicos e implantação de pistas de
estacionamento nas imediações das Avenidas Tomás Edson, Dr. Moysés
Kahan e Roberto Bosch ( Parque Industrial Tomás Edson);
SOBRE
O SISTEMA DE DRENAGEM DA REGIÃO:
XI
- Elaboração de diagnóstico atualizado e implementação de um
programa de revisão dos sistemas de micro e macro drenagem da área
de estudo, implementando, quando necessário, obras fora do perímetro
da Operação Urbana;
A
RESPEITO DE MORADIAS E ATENDIMENTO À POPULAÇÃO MAIS CARENTE:
XII
- Desenvolvimento do projeto, construção e financiamento de no
máximo 630 unidades habitacionais de interesse social para a
população favelada residente no interior do perímetro da Operação
Urbana;
OUTROS
PROJETOS:
XIII
- Desenvolvimento do projeto, construção e financiamento de um
edifício na Quadra 122 do Setor 019, para uso de entidades
municipais da administração direta e indireta, em terreno de
propriedade municipal;
Durante
reunião técnica realizada nesta Promotoria de Justiça, em 25 de
junho próximo passado, obtivemos informações (documento anexo –
CD com apresentações em powerpoint
elaboradas pela Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano e pela SP-Urbanismo, antiga
EMURB) (documento 5) de que, até o ano de 2007, pequeno foi o número
de adesões à Operação Urbana, conforme quadro que segue abaixo,
na página seguinte:
Fonte:
SP-Urbanismo.
Observa-se
do quadro acima que, antes de 2002, apenas houve duas adesões, no
período de 2003 a 2006 apenas dez adesões e somente entre 2007 e
2012, em decorrência da notória explosão do mercado imobiliário,
um crescimento considerável, tendo havido, na verdade, uma maior
arrecadação em 2007 (em razão de nove novos empreendimentos) e em
2012 (em razão de sete novos empreendimentos).
Consequentemente,
a arrecadação de mais de R$ 370.000,000,00 (trezentos e setenta
milhões de reais) se deu entre 2007 e a presente data, dos quais,
até hoje, apenas R$ 29.279.490,64 foram aplicados, conforme as duas
planilhas que se seguem:
Fonte:
SP – Urbanismo
Observa-se
desta última planilha que entre outorgas onerosas do direito de
construir e receita financeira líquida o montante auferido foi de R$
370.885.072,82, e a retirada foi de apenas R$ 29.279,490,64 (menos de
10% do recurso arrecadado), havendo disponíveis mais de R$
340.000.000, que já deveriam ou poderiam ter sido destinados ao
atendimento daqueles objetivos específicos e obras previstos desde
1995. A preocupação se dá na medida em que esses recursos
existentes poderão ser aplicados em novas intervenções em
decorrência da revisão, lembrando que o PL 505/2012, enviado pelo
Executivo municipal, em dezembro do ano passado - e, portanto, no
final da gestão do prefeito Gilberto Kassab, que já se sabia não
seria mais o chefe do Executivo municipal -, prejudicando o que já
poderia estar sendo implementado para a solução de inúmeros
problemas que atingem a região e aflingem um número indeterminado
de moradores, usuários e frequentadores da região, para os quais
foi criada a expectativa há quase duas décadas de que seus
problemas com habitação, melhoria do sistema viário, sistema de
drenagem fossem resolvidos.
Isto
porque o projeto de lei que revê a Operação (PL 505/2012), já
aprovado no último dia 09 de abril, em primeira votação pela
Câmara Municipal paulistana, considera que os valores já existentes
sejam revertidos para um único fundo especial onde se somarão a
outros valores que se originarem de novas arrecadações.
Neste
sentido, o previsto no artigo 70 do PL 505/20124.
(documento 3)
Aqui
reside o objeto principal desta ação, buscando-se evitar que
recursos já auferidos não sejam aplicados imediatamente, pondo-se
em risco que sejam transferidos a uma nova conta para aplicação
futura.
É
certo dizer e informar que a Municipalidade estuda a implantação de
programas que visem atender a população por meio da realização de
obras para a drenagem dos córregos Sumaré e Água Preta,
prevendo-se o dispêndio de mais de R$ 150.000.000,00 para esse fim,
bem como se fala em implantação de um projeto de extensão da
Avenida Auro Soares de Moura Andrade, que estaria orçado em mais de
R$ 145.000.000,00.
4
Art. 70. “Os
recursos arrecadados sob a vigência da Lei nº 11.774, de 1995, que
ainda
não tenham sido investidos nos termos nela previstos, deverão
observar o
disposto
nos artigos 10 e 57 da presente lei”.
No
entanto, fato é, que com a aproximação da votação de um novo
projeto e com a vigência de uma nova lei, não só poderão ficar
comprometidos esses projetos, como também não se permitirá
garantir o atendimento dos demais objetivos específicos da lei atual
e aquele quadro de obras já propostos, notadamente o que contempla o
atendimento de habitações de interesse social às populações de
baixa renda lá existentes.
Importante
salientar que a inércia do Poder Público ou a má qualidade de
gestão dos recursos já arrecadados, ao menos no período de 2010 a
2012, quando os valores auferidos foram bem maiores, pôs em risco a
população residente e usuária da região, na medida em que não
foram contratadas obras que atendessem os objetivos pré-definidos.
Confira-se
a respeito a planilha apresentada pela SP-Urbanismo (documento 6),
com a relação dos contratos firmados e que apontam para o uso de
apenas R$ 29.279.490,64 (dos quais, R$ 4.082.003,84 se destinaram a
remunerar a própria SP-Urbanismo (antes denominada EMURB), pelo
planejamento e controle da operação, gerenciamento e elaboração
dos projetos – nos termos do artigo 18, § 6º. da Lei 11.774/95)
Insta
salientar que a falta de clareza sobre a gestão dos recursos e o
fato de ser administrado o Fundo por
um conselho formado por apenas sete membros, todos
pertencentes à própria Administração Pública (artigo 18, § 1º,
Lei 11.774/95), afronta também os princípios inseridos na Lei
Orgânica do Município de São Paulo, que é de 1990, o Estatuto da
Cidade, de 2001, notadamente aqueles preceitos estabelecidos no
artigo 143 da primeira lei, e nos artigos 2º, inciso II, 4º, § 3º
e 43, inciso I, do Estatuto5,
que, a nosso ver, podem e devem
5
Art. 2o
– A
política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as
seguintes diretrizes gerais:
(...)
II
– gestão democrática por meio da participação da população e
de associações representativas dos vários segmentos da comunidade
na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos de desenvolvimento urbano;
(...)
Artigo
4º. (...) § 3o - Os
instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de
recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de
controle social, garantida a participação de comunidades,
movimentos e entidades da sociedade civil.
agora
ser observados para fins de eleição das prioridades, já que o
pedido objetiva a execução das obras definidas no quadro geral Lei
11.774/95, as quais, embora definidas desde 1995, não foram
realizadas integralmente até agora.
Não
podemos nos esquecer que, a despeito de a lei municipal de 1995 não
ter feito referência alguma à efetiva participação popular na
eleição das prioridades, deixando de forma autoritária que a
Administração as estabelecesse, fato é que desde 1990 (portanto,
antes da edição e vigência da lei referente à OUAB) e mesmo antes
do Estatuto da Cidade, previsão já havia na Lei Orgânica do
Município de São Paulo conferindo, no processo de planejamento da
cidade, a participação direta dos cidadãos, em todas as suas fases
de planejamento, quer seja por meio de suas instâncias de
representação, quer seja por suas entidades, quer seja ainda por
instrumentos de participação popular. (artigo 143, parágrafo
terceiro, LOMSP)6
Mais
razão agora para que se determine o uso dos recursos já arrecadados
na área abrangida pela OUAB, conforme a Lei 11.774/95 e seu quadro
geral de obras, ouvida democraticamente toda a comunidade.
III
– DOS DIREITOS
Art.
43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser
utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:
I
– órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional,
estadual e municipal;
6
Art.
143, LOMSP - O Município organizará sua administração e exercerá
suas atividades com base num processo de planejamento, de caráter
permanente, descentralizado e participativo, como instrumento de
democratização da gestão da cidade, de estruturação da ação do
Executivo e orientação da ação dos particulares.
§
1º - Considera-se processo de planejamento a definição de
objetivos determinados em função da realidade local e da
manifestação da população, a preparação dos meios para
atingi-los, o controle de sua aplicação e a avaliação dos
resultados obtidos.
[...]
§
3º - É assegurada a participação direta dos cidadãos, em todas
as fases do planejamento municipal, na forma da lei, através das
suas instâncias de representação, entidades e instrumentos de
participação popular.
Fonte:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/educacao/cme/LOM.pdf
III.1
AO ORDENAMENTO URBANO E AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
O
Professor PAULO AFFONSO LEME MACHADO conceitua a ordem urbanística
como o “conjunto
de normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso
da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do
equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos”7
Por
força do artigo 182 da Constituição Federal, o Estado tem o
objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e de garantir o bem-estar de seus habitantes.
O
Estado Democrático de Direito deve assegurar diversos meios de
participação democrática para facilitar o acesso desses sujeitos
coletivos na prática da cidadania para defender interesses relativos
à sua cidade. Entre esses meios de participação está também as
ações coletivas como meio importante de provocação do Judiciário
para a discussão de conflitos de ordem urbana.
Nota-se
o caráter difuso do direito a uma cidade harmoniosa pelo fato da
impossibilidade de seus titulares serem identificados e o objeto
tutelado ser indivisível.
A
lei da Ação Civil Pública engloba dentre seus bens tutelados a
ordem urbanística, como se denota do art. 1º e 4º, alterados pela
Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
Não
se pode olvidar que a política urbana está positivada no Estatuto
da Cidade (Lei 10.257/01) e mais particularmente nos planos diretores
de cada município, tendo estas normas, como base, o referido artigo
182 da Constituição Federal, ele determinando que o Município deve
implementar a política urbana tendo por precípuo escopo a ordenação
do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, assegurando
o bem-estar de seus habitantes e fazer com que a propriedade urbana
cumpra sua função social.
Não
diz que cabe ao Município apenas receber recursos, mas que deve se
valer desses para ordenar a cidade, fazendo com que sejam cumpridas,
na totalidade, as suas funções sociais.
7
In
Direito
Ambiental Brasileiro. 17.
ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.392.
Promotoria
de Justiça de Habitação e Urbanismo
No
mesmo passo, a proteção ambiental se encontra envolvida no contexto
da ordem social, concebendo a Constituição Federal, em seu artigo
225, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é
direito social do ser humano e também dos demais seres vivos.
José
Afonso da Silva nos lembra, com acertada razão, que o objeto da
tutela jurídica não é o meio ambiente em si considerado apenas por
seus elementos constitutivos, mas a proteção da qualidade do meio
ambiente em função da qualidade de vida.
“Pode-se
dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato – que é
a qualidade do meio ambiente; outro mediato – que é a saúde, o
bem-estar e a segurança da população, que se vêm sintetizado na
expressão „qualidade de vida‟” (in
Comentário Contextual à
Constituição. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 836)
E
continua o renomado autor:
“O
artigo sob nossas vistas declara que „todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado‟ Veja-se que o objeto do
direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio
ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado.
Direito que todos temos é a qualidade satisfatória, ao equilíbrio
do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem
jurídico. Isso é que a Constituição define como bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida ... São bens de
interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto
essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim
coletivo” (obra citada, pp. 836-837)
Ora,
sabe-se que a população da região da Água Branca, especialmente
do seu entorno, como Pompeia e Barra Funda, vivem constantemente, nas
épocas de chuva, em situação de real risco, à medida que perdem
seu patrimônio, quando não a própria vida, em virtude dos
problemas ocasionados pelas chuvas e pelos frequentes alagamentos.
Basta
ver algumas das matérias jornalísticas veiculadas ao longo dos
últimos anos, publicadas normalmente nos períodos de chuva mais
intensos, conforme se vê na documentação anexa e que fica fazendo
parte integrante desta inicial (documento 4), cujas manchetes são as
seguintes:
“Prefeitura
não usa verba e Pompeia volta a inundar”
(Veja SP, fevereiro de 2010, matéria de autoria de Sara Duarte)
“Zona
Oeste é a campeã de pontos de alagamento – região teve 2.512
enchentes entre 1º. de janeiro de 2004 e a noite de ontem, o
equivalente a uma ocorrência por dia”
(Estadão, 01 de março de 2011, matéria de autoria de Diego
Zanchetta e Rodrigo Brancatelli)
“Plano
viário não sai do papel na Água Branca – Quinze anos depois do
lançamento da operação urbana na região, bairros sofrem com
engarrafamentos, enchentes e falta de áreas verdes”
(Estadão.com.br, 06 de maio de 2010, matéria de autoria de Diego
Zanchetta)
“Prefeitura
promete desengavetar 79 obras antienchente”
(O Estado de São Paulo, edição de 08 de março de 2013, Caderno
Metrópole, de autoria de Nataly Costa)
Na
penúltima matéria, inclusive, são relacionadas as pendências da
região.
III.2
À MORADIA
A
EC 26, de 14 de fevereiro de 2000, deu nova redação do artigo 6º,
introduzindo ali o direito à moradia, nos seguintes termos:
“Artigo
6º. – São direitos
sociais a educação, a saúde,
o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção á
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição”
A
compreensão do direito à moradia como essencial à dignidade da
pessoa humana nos remete aos compromissos e obrigações
internacionais assumidos pelo país em tratados internacionais de
direitos humanos, notadamente no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, cujo artigo 11 estabeleceu que o
direito à moradia passa a ser componente do direito a um padrão de
vida adequado:
“Artigo
11 - Os Estados partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua
família, inclusive a alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim
como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os
Estados partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a
consecução desse direito”
Incumbido
de tal mister, o Brasil buscou incluir a moradia como direito social
entre os direitos outros já previstos na Carta Magna desde 1988,
direito aquele que não pode ficar nem ser analisado dissociado dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais
sejam: erradicação da pobreza, da marginalização e da redução
de desigualdades sociais (conforme preceitua o artigo 3º., inciso
III, CF)
Por
isso é correto afirmar que o direito à moradia só restará
totalmente assegurado e respeitado se cumpridas as funções sociais
da propriedade e da cidade.
O
conteúdo do artigo 6º traduz, pois, norma que consagra interesse
legítimo e juridicamente relevante, sendo, portanto, o principal
marco legal a ser considerado.
Neste
particular, relevante observar o Comentário Geral número 4 do
Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, datado de 12
de dezembro de 1991, que pontuou os elementos fundamentais do direito
à moradia, quais sejam:
1
– segurança jurídica da posse, que consiste em um grau de
segurança de posse que garanta a proteção legal contra despejos
forçados, expropriação, deslocamentos e outros tipos de ameaças;
2
– disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e
infraestrutura;
3
– gastos suportáveis com a construção ou melhoria de habitação;
4
– habitabilidade: condições de saúde, salubridade e físicas
adequadas;
5
– acessibilidade: contemplando os grupos vulneráveis como os
portadores de necessidades especiais, mulheres pobres chefes de
família, vítimas de desastres naturais ou de violência urbana;
6
– localização: moradias localizadas em locais com acesso ao
emprego, serviços de saúde, escolas, cultura, lazer;
7
– adequação cultural: respeito à produção social e cultural do
habitat pelas comunidades e grupos sociais necessitados/vulneráveis,
aos padrões habitacionais oriundos dos usos e costumes desses grupos
sociais.
Decorre
de tais considerações, o papel do Município na solução e no
atendimento desse direito, por meio da promoção da política urbana
e habitacional.
Nos
termos do artigo 182 da Constituição Federal e nos termos do artigo
148 combinado com o artigo 151 da lei Orgânica do Município de São
Paulo, o Plano Diretor deve prever as metas e normas para o
desenvolvimento da política urbana, assim como os critérios para o
cumprimento da função social da propriedade.
E
esse mesmo dispositivo constitucional trata de relacionar o direito à
moradia com o direito à cidade sustentável, estabelecendo, como
objetivos das políticas públicas do Poder Público municipal, o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, para garantia
do bem-estar de seus habitantes.
Embora
a questão habitacional seja de responsabilidade comum da União, do
Estado e do Município (artigo 23, CF), é muito mais evidente e
reforçada a competência deste último do que a dos demais na medida
em que se trata de um problema social de interesse local.
Logo,
as normas e instrumentos urbanísticos devem ser utilizados pelo
Município com o objetivo de recuperar, requalificar e regularizar as
situações de moradia indigna, sendo que a competência municipal
para intervir possui respaldo constitucional e diretriz de política
urbana nos termos do Estatuto da Cidade.
Por
força de tais princípios e preceitos legais superiores, diz a Lei
11.774/95 que os recursos auferidos com a Operação Urbana Água
Branca serão empregados na construção de habitações para
população de baixa renda que resida na área, em condições
precárias, e incentivo à ocupação ordenada de áreas vazias, bem
como na implantação de programas de ampliação do sistema viário
e de drenagem da região, e na ampliação dos espaços públicos,
áreas verdes e equipamentos coletivos.
E
o seu anexo (Quadro Geral do Programa de Obras) fez constar
expressamente o “desenvolvimento
do projeto, construção e financiamento de no máximo 630 unidades
habitacionais de interesse social para a população favelada
residente no perímetro da Operação Urbana”
Em
outras palavras: há expressa previsão da lei visando à promoção
da regularização fundiária e à prestação do devido atendimento
habitacional e urbanístico às favelas da região, por meio de
programas de urbanização ou de atendimento habitacional,
assegurando o assentamento definitivo das famílias atingidas pelas
obras e intervenções previstas nessa lei, no perímetro da Operação
Urbana Água Branca, valendo-se de recursos que fossem arrecadados
com essa operação
IV
– DO DESCABIMENTO DE EVENTUAL ALEGAÇÃO DE INVASÃO DE
COMPETÊNCIAS E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E
DA FALTA DE RECURSOS PARA O ATENDIMENTO DOS DIREITOS ACIMA INVOCADOS
Descabida
eventual argumentação de que a presente ação estaria fazendo com
que o Poder Judiciário interferisse no papel do Administrador
Público, desrespeitando, assim, o princípio constitucional da
separação dos poderes, bem como sem propósito eventual alegação
de que não há recursos que possam ser empregados na realização
das obras. A discricionariedade do Poder Executivo – limitada pela
Constituição - ao definir as prioridades impõe, de fato e no duro,
certos obstáculos à intervenção do Poder Judiciário, notadamente
quanto à definição de suas políticas e especialmente quanto às
questões de natureza orçamentária. Nesse sentido, muitos os
precedentes jurisprudenciais, dentre eles o seguinte: [...] Dessa
forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a
Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o
interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas
orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao
Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do
Município e determinar a construção de obra especificada [...]
(STJ, REsp 208893 / PR ; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto,
DJ 22.03.2004) Contudo, podemos afirmar que também devem haver
limites a essa atuação discricionária do Executivo, e aqui reside
a competência da atuação estatal do Poder Judiciário.
Nesse
contexto, cabe trazer à colação, com o devido respeito e pedindo
licença, a decisão da lavra da eminente Ministra Eliana Calmon, que
reflete sobre esse poder conferido ao Judiciário: “(...) 1. Na
atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do
Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de
conveniência e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do
Ministério Público para exigir do Município a execução de
política específica, a qual se tornou obrigatória por meio de
resolução do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente. 3. Tutela específica para que seja incluída verba no
próximo orçamento, a fim de atender a propostas políticas certas e
determinadas (...)” (STJ, REsp 493811 / SP, Segunda Turma, Rel.
Min. ELIANA CALMON, DJ 15.03.04) O Ministro Celso de Mello, a
respeito da relação da discricionariedade administrativa e o Poder
Judiciário, assim se pronunciou: “É certo – tal como observei
no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº
345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das
funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema
Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar
políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n.
05, 1987, Almedina, Coimbra), pois nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo”. Entretanto,
pondera o Ministro, no que tange as políticas públicas fundadas na
Constituição, também cabe ao Poder Judiciário a obrigação de se
fazer implementá-las, mesmo que excepcionalmente: “(...) Impende
assinalar, contudo, que a incumbências de fazer implementar as
políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se,
ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos
que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer,
com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional
(...)” (confira-se no mesmo teor desse texto o julgado proferido na
ADPF 45 MC-DF, julgado de 29 de abril de 2004, publicado no DJ de 04
de maio de 2004) Na mesma oportunidade, ressaltou a posição de
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, DD. Procuradora Regional de
República em sua obra “Políticas Públicas – A Responsabilidade
do Administrador e o Ministério Público”, Max Limonad, 2000, pp.
59, 95 e 97: “Nesse contexto constitucional, que implica também na
renovação das práticas políticas, o administrador está
vinculado, às políticas públicas estabelecidas na Constituição
Federal; sua omissão é passível de responsabilização e a sua
margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não
fazer. (...) Como demonstrado no item anterior, o administrador
público está vinculado à Constituição e às normas
infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas
relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria a
finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social. (...)
Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade
para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação
das políticas públicas discriminadas na ordem social
constitucional, pois tal restou deliberado pelo constituinte e pelo
legislador que elaborou as normas de integração. (...) As dúvidas
sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo
Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e
controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou
comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade
constitucional, no caso, a concretização da ordem social
constitucional. Nesse diapasão, modernamente, graças ao forte
posicionamento da jurisprudência pátria, a “teoria do
financeiramente possível” tem sido constantemente afastada,
abrindo espaço para se ver o Estado obrigado a desempenhar o papel
que lhe conferiu a própria Constituição Federal (...)”. O mesmo
Ministro Celso de Mello, mais recentemente, ao tratar de questão
relativa à criança e ao adolescente, em ação civil pública
ajuizada pelo Ministério Público paulista, assim se posicionou no
Agravo Regimental 639337 – SP, conforme ementa oficial que se
transcreve:
E M E N T A: ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA -
SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS
EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO
ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA
DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR
OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO
PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO
DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO
CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE
IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, §
2º) - LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE
OMISSÃO ESTATAL NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS
NA CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS,
ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” -
RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL -
PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL POR EFEITO DE
SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA - QUESTÃO QUE SEQUER FOI
SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA
NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM SEDE DE APELO EXTREMO -
IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS,
OMISSÃO ESTATAL INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO
PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE
CONSTITUCIONAL. (...) Embora inquestionável que resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de
formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no
entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais,
determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas
definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas,
sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional.
DESCUMPRIMENTO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE
LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público -
quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de
implementar políticas públicas definidas no próprio texto
constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a
própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do
Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência
constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições
constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade
da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve
ser evitado. É que nada se
revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma
Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou,
então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la
aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à
conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos
interesses maiores dos cidadãos. - A
intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de
políticas governamentais previstas e determinadas no texto
constitucional, notadamente na
área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva
neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela
omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a
direitos básicos que a própria Constituição da República
assegura à generalidade das pessoas. Precedentes.
A CONTROVÉRSIA
PERTINENTE À “RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO
MÍNIMO EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. - A
destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente
escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução
de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer,
também, com a própria implementação de direitos sociais
assegurados pela Constituição da República, daí resultando
contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de
superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento
de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em
face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de
disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras
“escolhas trágicas”, em decisão governamental cujo parâmetro,
fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a
intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real
efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei
Fundamental. Magistério da doutrina. - A cláusula da reserva do
possível - que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o
propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação
de políticas públicas definidas na própria Constituição -
encontra insuperável limitação na garantia constitucional do
mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento
positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da
pessoa humana. Doutrina.
Precedentes. - A noção
de “mínimo existencial”, que resulta, por implicitude, de
determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º,
III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização
revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência
digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito
geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias
do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais
básicos, tais como o direito à
educação, o direito à proteção integral da criança e do
adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o
direito à moradia, o direito à
alimentação e o direito à segurança. Declaração
Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV).
A
PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À
FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS
PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso impede, em
tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam
desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela
formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o
retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado
(como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à
segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses
direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os
níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos,
venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado.
Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver
reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de
torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de
transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se
de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os direitos
sociais já concretizados.
LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS
“ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à
utilização, contra entidades de direito público, da multa
cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte”
- que se reveste de função coercitiva - tem por finalidade
específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do
Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato
sentencial. Doutrina. Jurisprudência. (STF – ARE 639337 – SP –
2ª. Turma – rel. Min. Celso de Mello – julgado em 23.08.2011;
publicado DJe-177 – 14.09.2011; Ementário Volume 02587-01, p. 125)
(grifos nossos)
É
sabido que o Brasil passou por um processo sensível de transição
de uma ditadura para um estado democrático, no início da década de
1980, que culminou com a convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte em 1986 e com a concretização de uma nova Carta em
1988, ela que tinha por esperança assegurar ao povo uma série de
mudanças sociais e econômicas para o país. Essa nova Constituição
revelou ao povo um compromisso não só com a abertura democrática,
mas também com a garantia de direitos fundamentais.
Há
necessidade, entretanto, de se conciliar os direitos à ordem
econômica e os direitos à ordem social, mesmo sabendo que nenhuma
sociedade possui recursos ilimitados para atender as demandas
sociais, embora tal conceito não possa esvaziar o princípio da
igualdade de oportunidades.
Ao
contrário. “Quanto mais limitados os recursos, maior a necessidade
de nos valermos desse princípio, já que as decisões sobre a
destinação dos limitados recursos são determinantes para que a
igualdade possa ter maior grau de efetividade dos direitos sociais de
natureza prestacional”. Estas as palavras de José Felipe Ledur (in
O contributo dos
direitos fundamentais de participação para a efetividade dos
direitos sociais. Tese
(doutorado) Curitiba. Universidade Federal do Paraná, 2002, referido
por Ana Carolina Lopes Olsen, em sua obra Direitos
Fundamentais Sociais – efetividade frente à reserva do possível.
Curitiba: Juruá Editora, 2008,
p. 197).
Na
presente ação e em outra dicção: a Lei municipal 11.774/95 previu
que os recursos arrecadados com a venda do potencial construtivo
(exercício da atividade econômica de diversos empreendimentos
imobiliários na região) fossem empregados em favor da coletividade,
notadamente (e não de forma alternativa) no atendimento de melhorias
para o sistema viário, na drenagem da região e em habitação
popular destinada àqueles de baixa renda.
Se
os recursos se mostram limitados, maior a necessidade de pedir que o
Poder Judiciário interfira sobre a destinação destes recursos, não
dizendo ao Administrador que aplique aqui ou ali esse recurso, mas
que tome sua decisão levando em consideração o princípio da
igualdade para que possamos alcançar um grau maior de efetividade
dos direitos, inclusive e especialmente os sociais, aplicando-se de
forma igualitária os recursos atualmente existentes no atendimento
dos objetivos supracitados.
O
aspecto que assume maior relevância na discussão da efetividade dos
direitos fundamentais diz respeito à existência de recursos
materiais, a qual está relacionada a dois aspectos: disponibilidade
fática do meio necessário à realização do direito, e
disponibilidade jurídica deste meio.
Não
basta a existência de recursos. O Estado (aqui tomado na sua
expressão mais ampla) deve ter capacidade jurídica para deles
dispor.
Aliás,
a esse respeito, parece-nos claro que este tem sido o mote das
manifestações populares dos últimos dias. Há um aumento da
insatisfação pela má qualidade dos serviços públicos essenciais.
A voz das ruas apenas nos relembra que as prioridades não podem
ficar simplesmente esquecidas ou relegadas para um segundo ou
terceiro planos.
“A
„voz das ruas‟ é a „emergência‟”, diz Antonio Delfim
Netto, em seu artigo publicado na Carta Capital de 3 de julho de 2013
(número 755), na página 30, onde também nos lembra o autor do
artigo de que “não é possível deixar de reconhecer, por outro
lado: boa parte da
ineficiência na prestação dos serviços públicos deve ser
debitada menos à falta de recursos e mais à péssima qualidade da
sua gestão”.
Aqueles
dois requisitos (disponibilidade fática do meio necessário à
realização do direito e disponibilidade jurídica deste meio)
existem e não há como negar que o atual Administrador Público, ora
réu desta demanda, detém um e outro, pois os recursos já se acham
arrecadados e estão depositados em fundo específico e há lei que
prevê a utilização dos mesmos para atendimento daquelas
necessidades prementes da população paulistana.
Que
o faça, então, de maneira imediata e proporcional, visando ao
cumprimento dos objetivos específicos da lei em vigor há quase duas
décadas.
V
– DOS PEDIDOS
Diante
de todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,
requer:
1.
PRELIMINARMENTE:
É
imprescindível seja requisitado do Excelentíssimo Senhor Prefeito
Municipal de São Paulo, em prazo assinalado por Vossa Excelência,
mas que não seja superior a quinze dias, que remeta a esse Douto
Juízo, por meio de planilhas e por documentos que comprovem caso a
caso, as seguintes informações:
a)
Quais os valores arrecadados, ano a ano, desde 1995, por força da
Lei 11.774/95;
b)
Qual o valor aplicado, ano a ano, com os recursos obtidos da Operação
Urbana Água Branca, com base na Lei 11.774/95.
c)
Quais as obras realizadas, ano a ano, com esses recursos arrecadados,
dentre aquelas previstas no Quadro Geral de Obras (Anexo 1 da Lei
11.7745/95);
d)
Quais as justificativas técnicas (e não políticas) para a
aplicação desses recursos nessas obras escolhidas, inclusive
justificando se eram mesmo prioritárias;
e)
Quais os recursos atualmente empenhados e a que se destinam;
f)
Qual o valor atual remanescente e ainda não despendido e que poderá
se destinar à realização de novas obras. (saldo existente no
Fundo)
g)
Quais os projetos em fase de execução e quais os previstos para o
presente ano e para os anos seguintes, indicando, em relação às
obras futuras, o prazo de início e sua conclusão.
Tais
informações objetivam comprovar, ainda mais, as informações
trazidas, de forma não tão completa pela Administração, ao
Ministério Público, por ocasião da instrução do procedimento
investigatório da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo
(IC 326/2002), facilitando o comando da sentença na prestação
jurisdicional, ao final.
Aliás,
imperioso anotar também que o referido Inquérito Civil foi
inaugurado em 2002 visando apurar irregularidades no cumprimento de
contrapartidas pela empresa Ricci, uma das primeiras empresas a
aderir à Operação Urbana, tendo sido arquivados os autos por se
entender que a Municipalidade, dentro da esfera de sua competência,
estaria adotando providências objetivando exigir daquela
empreendedora a contrapartida ou a rescisão.
No
Inquérito Civil, que está à disposição de qualquer interessado,
constatou-se que a Ricci utilizara o potencial adicional construtivo
autorizado pelo Município sobre quatro (4) lotes, não tendo
efetuado o pagamento de dois desses quatro lotes nem realizado a
implantação de áreas verdes oriundas da gleba que desmembrou.
Todavia,
a EMURB, responsável pela gestão do contrato, ao final, teria
adotado providências em face dessa empresa, inclusive com a rescisão
do contrato e do termo de compromisso e o ajuizamento de uma ação
de cobrança que tramita perante a 2ª. Vara da Fazenda Pública.
(documentos 9)
Daí
porque se entendeu, inicialmente, que não haveria mais o que ser
investigado.
Entretanto,
a associação de moradores da Vila Pompeia comunicou ao Ministério
Público, em 2010, que os recursos arrecadados em relação a
outras empresas não vinham sendo empregados de maneira a cumprir a
legislação vigente que trata da Operação Urbana e solicitou
providências ao Ministério Público, solicitando a continuidade da
investigação, o que foi feito ao longo destes últimos três anos,
o que justifica o ajuizamento da presente demanda neste momento,
especialmente quando há a possibilidade de os recursos já
arrecadados serem revertidos para outro fundo - se nova lei for
sancionada (e estamos na iminência de tal fato acontecer) - e, o que
é pior, para outros fins. (documento 8)
2.
DO PEDIDO LIMINAR
É
imprescindível, ainda, a formulação do presente pedido de liminar,
pois o mesmo objetiva assegurar o cumprimento das decisões na
prestação jurisdicional, ao final.
E
este se funda nos requisitos legais do fumus
boni iuris e do periculum
in mora.
O
fumus boni iuris –
decorre do fato de que a lei, em vigor desde 1995, estabeleceu para
onde deveriam ser destinados os recursos já arrecadados e vinculou o
seu recebimento ao emprego na região, garantindo melhorias não só
à população que lá já vivia, mas aos benefícios que refletiriam
a toda a coletividade.
O
periculum in mora -
reside no fato de que já foi
aprovado, em primeira votação, pela Câmara Municipal, no dia 09 de
abril de 2013, o projeto enviado pelo Executivo municipal (documento
incluso), nele se prevendo que os recursos atuais e que já deveriam
ter sido utilizados passem para outro fundo (único) e possam ser
usados para fins que podem vir a ser diversos daqueles inicialmente
propostos ou cujos projetos já estavam em andamento, embora não
licitados ou empenhados.
Neste
sentido, o teor do artigo 70 do referido projeto de lei. (PL
505/2012)8
Obtempere-se
que a segunda votação está prevista para o mês de agosto
vindouro, aí residindo o elemento de risco de lesão pela demora em
se aguardar o provimento jurisdicional somente ao final.
E
para não se dizer que a atuação ministerial se restringe aos
objetivos judiciais aqui deduzidos, traz-se à colação a
contribuição do Ministério Público para o eventual
aperfeiçoamento do próprio Projeto de Lei 505/2012, onde os
questionamentos estão sendo feitos extrajudicialmente, por equipe
técnica multidisciplinar do CAEx-MP, os quais revelam a preocupação
desta Instituição com a revisão da OUAB (documento 7), deixando
consignado que o aludido parecer foi encaminhado no último dia 03 de
julho de 2013 ao DD. Presidente da Comissão de Política Urbana,
Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Paulo,
Vereador Andrea Matarazzo, e aos demais vereadores que compõem a
referidas comissão, para serem incorporadas, contempladas e
consideradas por ocasião da discussão e apresentação do PL em
audiências públicas.
De
mais a mais, não se pode esquecer que diversas pessoas da população
que vive ou trabalha na região da Água Branca, Barra Funda,
Perdizes e Pompeia esperam do Administrador Público municipal, há
quase duas décadas, soluções para os problemas acima apontados, as
quais, ao longo dos anos, não foram realizadas, não havendo mais
tempo que permita protelar qualquer intervenção na região.
8
Art.
70. “Os recursos arrecadados sob a vigência da Lei nº 11.774, de
1995, que ainda não tenham sido investidos nos termos nela
previstos, deverão observar o disposto nos artigos 10 e 57 da
presente lei”.
Daí
porque, a nosso ver, ser imprescindível o bloqueio desses recursos.
Requer-se,
assim, em caráter de liminar, o bloqueio de todos os valores
atualmente depositados
no fundo destinado à Operação Urbana Água Branca (FEAB – artigo
18 da lei) e que estiverem livres de empenho ou de vinculação a
algum contrato em vigor, de forma a garantir a implementação nas
obras e serviços que cumpram os objetivos específicos referidos no
artigo 3º da Lei 11.774/95, somente podendo ser autorizado o seu
levantamento após efetiva comprovação da contratação dos
serviços para cumprimento da aludida lei e dos valores necessários
para adimplemento desses contratos.
3.
DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Estabelece
o artigo 273 do Código de Processo Civil, que o magistrado poderá,
a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos
da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
(inciso I)
No
caso em questão, o presente pedido de tutela antecipada está
fundamentado no perigo de dano, ante os documentos que acompanham a
inicial, os quais comprovam danos já experimentados pela sociedade
paulistana decorrentes dos períodos de chuva dos últimos danos e do
risco que uma nova lei, já votada em primeira discussão, poderá
trazer ao não se aplicarem os recursos já existentes,
imediatamente, em obras imprescindíveis para o sistema viário, o
sistema de drenagem e a garantia de habitação à população de
baixa renda, razão pela qual está presente o requisito da prova
inequívoca da verossimilhança das alegações.
Por
outro lado, a preocupação externada pelo Autor está no fato de
que, ao não serem empregados os recursos, persistirão e se
agravarão os impactos à região, tornando muito mais alto o valor
que deverá ser despendido para que, no futuro, as soluções sejam
empregadas, sob pena de serem agravados ou criados danos graves ou de
difícil reparação, tais como os que foram apresentados na
representação dirigida a esta Promotoria de Justiça pela
associação de moradores da Vila Pompeia (Associação Amigos de
Vila Pompeia), conforme documentos anexos. (documento 8)
Infere-se,
portanto, que estão presentes os requisitos previstos no art. 273 do
Código de Processo Civil, capazes de ensejar a concessão da
antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, no sentido de
obrigar a Ré, com a máxima urgência, a empregar imediatamente os
recursos já arrecadados com a Operação Urbana Água Branca, por
força da Lei municipal em vigor Lei 11.774/95, na implementação de
obras de drenagem, sistema viário e atendimento à população
carente, com a urbanização de favelas ou construção de habitações
populares que atendam às condições de habitabilidade (instalações
elétricas, hidráulicas, sanitárias, mobiliário), conforme
estabelecido no artigo 3º e seus incisos e no artigo 18 da aludida
lei e há anos não realizadas, e obrigatoriamente de maneira
proporcional, visando ao atendimento igualitário de todos aqueles
direitos (drenagem, em respeito ao meio ambiente equilibrado, sistema
viário, em respeito ao direito urbanístico, e habitação popular,
em respeito ao direito social à moradia).
No
caso de serem insuficientes os recursos arrecadados para atendimento
a todos os direitos acima enunciados, de forma igualitária,
espera-se também que sejam destinados recursos orçamentários para
a implementação e execução das obras e serviços públicos até
que se complementem os recursos existentes para a execução e
conclusão das obras, em prazo que não poderá ser superior a dois
anos.
4.
FINALMENTE, REQUER-SE:
3.1.
a citação do Município de São Paulo, na pessoa do Senhor Prefeito
Municipal, sr. Fernando Haddad, com endereço no Edifício Sede da
Prefeitura Municipal de São Paulo, situado no Viaduto do Chá,
número 15, nesta cidade e comarca de São Paulo – SP, para que,
querendo, responda a presente ação, sob pena de revelia e confissão
quanto a matéria de fato alegada.
3.2.
a produção das provas a seguir especificadas: oitiva de
testemunhas, cujo rol poderá ser apresentado oportunamente, por
ocasião do saneamento do feito e especificação de outras provas,
se o caso; vistoria judicial; perícias; juntada de documentos, bem
como, todas aquelas em direito admitidas e que se fizerem
necessárias.
3.3.
a procedência da ação e condenação do Município de São Paulo
em obrigação de fazer,
consistente em:
3.3.1.
empregar, no prazo que por bem houver Vossa Excelência fixar em
sentença e desde que não seja superior a dois anos, os recursos já
arrecadados com a Operação Urbana Água Branca, por força da Lei
municipal em vigor Lei 11.774/95, na implementação de obras de
drenagem, sistema viário e atendimento à população carente, com a
urbanização de favelas ou construção de habitações populares
que atendam às condições de habitabilidade (instalações
elétricas, hidráulicas, sanitárias, mobiliário), conforme
estabelecido no artigo 3º e seus incisos e no artigo 18 da aludida
lei e há anos não realizadas, e obrigatoriamente de maneira
proporcional, visando ao atendimento igualitário de todos aqueles
direitos (drenagem, em respeito ao meio ambiente equilibrado, sistema
viário, em respeito ao direito urbanístico, e habitação popular,
em respeito ao direito social à moradia).
3.3.2
E, no caso de serem insuficientes os recursos arrecadados para
atendimento a todos os direitos acima enunciados, de forma
igualitária, que sejam destinados recursos orçamentários para a
implementação e execução das obras e serviços públicos até que
se complementem os recursos existentes para a execução e conclusão
das obras, em prazo que não poderá ser superior a dois anos.
Neste
sentido, insta salientarmos a previsão da própria Lei 11.774/95, no
sentido de que os recursos do fundo não se restringem a valores em
dinheiro correspondentes às contrapartidas ou às rendas
provenientes da aplicação de seus próprios recursos, mas também
constituem receita as rendas resultantes da cobrança de
contribuições de melhoria aplicadas na área da Operação Urbana,
o retorno dos financiamentos das habitações de interesse social e
quaisquer outros recursos ou rendas que lhe sejam destinados,
inclusive de programas do município juntamente com os Governos
Estadual e Federal, este último, por exemplo, com recursos do PAC –
Programa de Aceleração do Crescimento9.
Bem
como ainda o fato de estar expressamente previsto no artigo 22 da lei
que “as demais despesas decorrentes desta lei correrão por conta
dos
9
Artigo 18 [...]
§
2º - Constituem receitas do Fundo Especial da Operação Urbana Água
Branca - FEAB: I - Valores em dinheiro ou bens imóveis
correspondentes à contrapartida; II - Rendas provenientes da
aplicação de seus próprios recursos; III - Rendas resultantes da
cobrança de Contribuições de Melhoria aplicadas na área da
Operação Urbana; IV - Retorno dos financiamentos das habitações
de interesse social; V - Quaisquer outros recursos ou rendas que lhe
sejam destinados recursos do Fundo Especial de
Operação Urbana Água Branca – FEAB e de dotações orçamentárias
próprias”.
3.3.3
tomar todas as medidas legais, em matéria administrativa e
orçamentária, para efetivo cumprimento da decisão judicial, de
imediato.
3.4
Requer-se, ainda, seja fixada multa diária, em valor a ser arbitrado
por Vossa Excelência, para o caso de descumprimento ou mora no
cumprimento da sentença.
E,
por derradeiro, requer-se
3.5
A condenação do Réu no pagamento das custas e despesas
processuais.
3.6
A intimação pessoal do Ministério Público para todos os atos, na
Rua Riachuelo, número 115, 1º. andar, Centro, nesta cidade e
comarca de São Paulo (Promotoria de Justiça de Habitação e
Urbanismo).
Dá-se
à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 341.600.000,00
(trezentos e quarenta e um milhões e seiscentos mil reais) (que
corresponde ao montante aproximado do valor informado como existente
no Fundo Especial da Operação Urbana Água Branca (saldo
remanescente) - a que alude o artigo 18 da Lei 11.774/95)
Nestes
termos, pede deferimento.
São
Paulo, 05 de julho de 2013.
Roberto
Carramenha
3º.
Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo
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