OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA ÁGUA BRANCA

A comunidade da Zona Oeste quer informações mais detalhadas sobre todas as intervenções previstas na Operação Urbana Consorciada Água Branca. Quer a realização de Audiências Públicas Temáticas (drenagem, patrimônio, viário, equipamentos públicos, mudanças climáticas, uso e ocupação do solo dentre outros), e de Audiências Públicas Devolutivas, com tempo suficiente para compreensão do problema e debates/proposições, visando o estabelecimento de um diálogo maduro, responsável, competente e comprometido com a sustentabilidade e a qualidade de vida de nossos bairros e moradores.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A quem interessa matar árvores?*

Em setembro deste ano, São Paulo registrou um calor de 36,5 graus, no inverno. 

Nossa cidade conta com o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo (PlanClima SP), que apresenta como objetivo orientar a ação do governo municipal para incluir a variável climática em seu processo decisório. Ou seja, as decisões governamentais precisam considerar que o clima está mudando e essa variação impõe alterações no conhecimento disponível e nas práticas implementadas pela Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP).

Ao tratar das altas temperaturas de calor, o PlanClima indica:

Áreas verdes contribuem tanto para a manutenção da qualidade de vida dos residentes da cidade, ao diminuir efeitos como ilha de calor urbana e a poluição atmosférica, quanto para a diminuição de riscos de eventos extremos.

As áreas verdes presentes no Município são relevantes para a biodiversidade, promovem o aumento da permeabilidade, reduzindo os alagamentos e enchentes, contribuem para a manutenção das temperaturas mais amenas.

Como forma de minimizar e evitar a formação de ilhas de calor, recomenda-se o aumento das áreas verdes na cidade, aumentando o conforto térmico humano nas áreas urbanizadas. 

Só que não



Em 2023, duas praças da Água Branca tiveram suas árvores arrancadas para dar lugar a áreas impermeabilizadas: A Praça Pedro Corazza é agora um canteiro de obras da Acciona, empresa que constrói estações de metrô, a Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt teve suas árvores arrancadas para ser transformada em um campo de futebol com grama sintética e arquibancada. Além delas, a Praça Desembargador Washington de Barros Monteiro, também na Água Branca, é explorada comercialmente, desrespeitando decisão judicial de ampliação de área verde.

O distrito Barra Funda, onde fica o bairro da Água Branca, é área de várzea do Rio Tietê,  sofre com inundações, com impermeabilização do solo, depende de obras de drenagem, de Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) e de preservação das atuais e de ampliação das áreas verdes. É o distrito com menor número de áreas verdes da Subprefeitura Lapa. Das 254 praças distribuídas nos 6 distritos da Subprefeitura, apenas 19 ficam na Barra Funda - agora, 16 praças. As praças são áreas preciosas ao território paulistano para mitigar as mudanças climáticas.

Nas duas situações de remoção de árvores, as decisões da Prefeitura ignoraram os objetivos e diretrizes do Plano de Ação Climática, as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ignoraram que a população já sofre com o calor, com inundações, com redução de áreas verdes públicas e com as consequências de matar árvores e impermeabilizar solo, e não foram cumpridos legislação, trâmites administrativos e regras de uso e ocupação do solo.  

Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt

A área verde pública denominada Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt, com dimensão  de 16.330,00 m2, apresenta vegetação significativa, com 488 exemplares arbóreos, parte deles plantio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Tem grande contribuição como área drenante para mitigar as inundações do Córrego do Curtume e Canal do Rio Tietê. 

Fica no quarteirão da rua Rua Cenno Sbrighi, perímetro expandido da Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) e o seu entorno está sendo adensado com a construção de novos conjuntos residenciais. 

Custo de uma obra pública que a população da Lapa não pediu: Três MILHÕES, oitocentos mil reais 

A Prefeitura de São Paulo contratou em 2020, por R$3.864.654,82, obra que vai transformar esta praça pública em um campo de futebol, com grama sintética, arquibancada, banheiro, vestiário, com essa estrutura toda cercada com grades, e estacionamento [SEI 6044/2020.0003098-31]. Esta intervenção foi solicitada pelo ex-vereador e atual secretário adjunto da Secretaria de Esportes, Claudinho de Souza (PSDB) [SEI 6510/2020.0019693-0] e depois, pelo vereador Fabio Riva (PSDB) [SEI 6044/2020.0003098-3]. Em reportagem ao Jornal da Gente, em abril deste ano, o Secretário Claudinho informou que depois de construído, o espaço será entregue pela Subprefeitura Lapa à Secretaria de Esportes, que fará a cessão de uso para a constituição de um Clube da Comunidade (CDC), para uso do time do Esporte Clube São Bento do Piqueri, "que por conta das obras da alça de acesso da ponte ligando o bairro à Lapa, ficou sem local para treinar".

Transformar praça em campo de futebol, e matar árvores para isso, não é demanda dos moradores da região. Não passou por consulta  pública, como determina a Lei 16.212/2015, sobre Gestão Participativa de Praças, e nas consultas públicas realizadas pela Prefeitura em 2021, 2022 e 2023 para identificar 5 prioridades da população de cada Subprefeitura para o Projeto de Lei Orçamentária Anual, não houve demanda de campo de futebol. Para o PLOA 2023, PLOA de 2022, PLOA de 2021, as prioridades da população da Subprefeitura Lapa foram saúde, educação, drenagem, melhoria das praças, ampliação de áreas verdes e mobilidade. 

Impermeabilização e diminuição de áreas verdes

Embora a licitação da obra tenha sido concluída em 2021, somente em março de 2022 a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) analisou o projeto do campo de futebol e proposta de manejo arbóreo. Na Informação Técnica 452 [SEI 6027.2021/0016418-0 ], a Coordenação de Planejamento Ambiental da SVMA demonstrou a escassez de Áreas Verdes Públicas no entorno da praça, que está situada na área inundável do Córrego do Curtume e Canal do Rio Tietê; analisou parâmetros do PDE e encaminhou para a Subprefeitura Lapa parecer concluindo que a "implantação de quadra esportiva na Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt, como proposto pela construtora interessada, não atende aos parâmetros acima citados do PDE/2014 e LPUOS/2016. Sendo importante destacar, mais uma vez, a importância ambiental da Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt, cuja função de área permeável, possibilitando a drenagem de águas em local anteriormente lacustre junto aos brejos e antigos meandros do Rio Tietê, deve ser preservada, sobretudo considerando a escassez de áreas verdes públicas na região".

Mas, em 30 de dezembro de 2022, a Coordenação de Licenciamento Ambiental da SVMA mudou seu parecer e informou que "por impossibilidade de alternativa locacional, aprovamos tecnicamente o manejo arbóreo, em caráter excepcional e emitiu o Termo de Compensação Ambiental (TCA) para a remoção das árvores" [SEI 6027.2021/0016418-0  Informação SVMA/CLA/TCA Nº 0764938105].

O extrato do Termo de Compromisso Ambiental TCA 001/2023, publicado no Diário Oficial da Cidade em 07 de fevereiro de 2023 descreve as árvores que serão cortadas ou preservadas e que a eficácia das autorizações está condicionada à "juntada aos autos da aprovação através de análise técnica de memorial técnico descritivo que comprove a permeabilidade da grama sintética utilizada para composição da área permeável." A Subprefeitura Lapa informou no processo que fez mudanças no projeto para ajustá-lo ao TCA, mas o novo projeto não foi analisado pela CPA/SVMA, para conferir se as mudanças atendem ao solicitado - área total que será impermeabilizada para implantar o campo de futebol com grama sintética, para arquibancada, vestiário e estacionamento, bem como foi previsto o plantio de árvores na área restante.


O TCA indica que a densidade arbórea inicial é de 488 árvores, e que haverá corte de corte de 194 árvores nativas; 51 árvores exóticas, remoção de 60 árvores mortas e preservadas 183, com densidade arbórea final de 488 árvores, DAP 3. As árvores nativas que serão removidas representam uma perda ambiental e também financeira, pois são oriundas de TCA, TAC e mesmo plantio executado por meio dos contratos da própria SVMA.

Matança de árvores 

Em 19 de setembro de 2023, com a liberação dos recursos pela Secretaria Municipal da Fazenda, o Subprefeito da Lapa, Ismar Freitas Neto, deu ordem de início de obra à Construtora Lettieri, detentora do contrato. Em 03 de outubro de 2023, as árvores da Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt estavam arrancadas e no chão, registradas em impactantes imagens, publicadas pela FOLHA.

Imagens aéreas de Danilo Verpa/ Folhapress publicadas em 03/10/2023

E em 07 de outubro, a Praça estava arrasada, com árvores mortas, buracos, galhos secos, e algumas árvores desenterradas ainda vivas, mas com torrão exposto (e não está previsto transplante).
   


Informações relevantes não consideradas pela Prefeitura

  • A Informação Técnica 452 SVMA/CPA/DEAPT 2022 demonstrou que a área onde está a praça é classificada como AVP-1 (conforme o artigo 27 da Lei 16.402 de 2016, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo – LPUOS) impondo assim a aplicação do artigo 275 do PDE (Lei 16.050 de 2014 e artigo 30 LPUOS) e que o projeto original do campo de futebol não atendia o solicitado em lei. A Subprefeitura Lapa informou, no processo, que ajustou o projeto para que atendesse aos parâmetros designados, porém, o quadro de áreas aponta valores de área impermeável diferente do outro quadro apresentado na mesma planta do mesmo processo, gerando assim dúvidas quanto aos valores das áreas apresentados. E no processo não consta nova análise da SVMA para verificar os ajustes.
  • A área ocupada pela praça não é área denominada como Patrimônio Ambiental pelo Decreto 30.443/1989. Porém a área verde apresenta vegetação significativa de acordo com Lei 17.794 de 2022, vigente atualmente, conforme informa o Relatório Técnico de Vistoria 714/CLA-DCRA-GTMAPP. Sendo assim, deve seguir o Decreto 61.859 de 2022, que em seu Artigo 3° normatiza que para áreas verdes públicas, tais como praças, áreas livres, canteiro central e calçadas, é necessária autorização da Subprefeitura para manejo de exemplares arbóreos, e não somente a autorização dada pela SVMA por meio do TCA (disciplinado pela Portaria 130 de 2013, da SVMA).
  • No Despacho assinado pelo Secretário do Verde e Meio Ambiente foi utilizada a antiga Lei 10.365 de 1987, que não exime a necessidade de autorização do Subprefeito responsável. O artigo 12º desta lei determina que a execução do manejo em logradouros públicos só pode ser realizada por funcionários da prefeitura (incluindo terceirizadas) e concessionárias previamente autorizadas pela Subprefeitura. Mas não foi isso que aconteceu. As árvores já foram cortadas e o manejo não foi realizado pela Subprefeitura Lapa e sim pela empresa contratada para execução da obra do campo de futebol.
  • Outro fator que em nenhum momento foi levado em consideração no processo é a da existência no local de plantio de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Nesse caso esse plantio era responsável por compensar danos causado em áreas adjacentes. Isso significa que nesse momento o dano causado anteriormente já não está sendo compensado.
  • A manutenção da área com sua cobertura vegetal e solo natural é de extrema importância para uma região localizada na várzea do Rio Tietê. A troca de solo natural por piso drenante não mitiga a diminuição da retenção da umidade no local, visto que o solo sob ele estará completamente compactado.
  • A Subprefeitura Lapa não realizou a consulta pública à população sobre mudança de uso da praça, como prevê a Lei 16.212/15 sobre Gestão Participativa de Praças.

São nítidos os erros de procedimento e a ausência de transparência do poder público em relação a esta obra e eles devem ser apurados pelos órgãos de controle e fiscalização.

O impacto ambiental dessa obra é muito maior que qualquer benefício oriundo da implantação de um campo de futebol no local. O dinheiro público - cerca de 4 milhões de reais - deve ser usado em serviços públicos ou obras que atendam as carências e demandas indicadas pela população da Lapa.

Mobilização da sociedade 

Em janeiro de 2022, o Movimento Água Branca denunciou, em matéria deste blog Atenção Estamos perdendo áreas públicas , que áreas verdes da Água Branca estavam sendo destinadas pela Prefeitura para outros usos, entre elas a Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt. A denúncia foi enviada ao Ministério Público pelo Movimento Defenda São Paulo, e a promotoria de Justiça de Meio Ambiente instaurou inquérito civil [MP, PJMAC, IC 13/2022]

O Conselho Regional de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz – CADES Lapa, nas suas reuniões mensais realizadas em 2022, tratou desse assunto com grande preocupação e deliberou, em 16 de março de 2022, posicionamento pela manutenção da Praça Marechal Carlos Machado como área verde e praça, contrário à mudança de uso para transformá-la em campo de futebol. Em janeiro, o CADES Lapa, apresentou denúncia ao Ministério Publico [MP, PJMAC, IC 35/2023; PJHURB IC 54/2023], em março de 2023 apresentou seu posicionamento e preocupações com a mudança de uso da Praça Carlos Machado Bittencourt à Secretaria do Verde e Meio Ambiente, em reunião realizada com Secretário Adjunto Carlos Eduardo; mantém acompanhamento do processo e envio de informações ao Ministério Público.

Divulgue, denuncie, exija que a Secretaria de Subprefeituras, a Subprefeitura Lapa e a Secretaria do Verde cancelem a construção dessa obra e mantenha a área como Praça.

Exija fiscalização e apuração dos fatos pelos órgãos público de controle.

Ainda dá tempo de impedir que a Lapa, a Cidade de São Paulo e você percam esta praça. 

Ainda dá tempo de impedir que interesses eleitoreiros se sobreponham à Constituição Federal, à Lei Orgânica do Município, ao Plano de Mudanças Climáticas, ao PDE e todas as leis que defendem e impõem ao município (executivo e legislativo) a obrigação de  manter o "meio ambiente humanizado, sadio e ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, para as presentes e futuras gerações" e o "aumento das áreas verdes na cidade, aumentando o conforto térmico humano nas áreas urbanizadas".

Ainda dá tempo de manter a Praça Marechal Carlos Machado Bittencourt como área verde e drenante, ampliando seu adensamento arbóreo, contribuindo para mitigar inundações, e fazendo dela um espaço agradável e seguro, revitalizado a partir da escuta e diálogo com a população do território que vai frequentá-la.


* Texto elaborado com a contribuição do CADES Regional Lapa.


07/10/2023